A doutrina do pecado (Hamartologia) é talvez o aspecto mais
importante e mais desafiador para uma compreensão coerente da doutrina da
perfeição humana no adventismo, pois a doutrina do pecado contém em si mesma as
revelações
mais impactantes e potencialmente complexas com que precisamos lidar ao
tratarmos com essa intrigante questão. É exatamente o pecado que nos torna
imperfeitos, e que nos faz precisar de um salvador que nos perdoe (Lc 7:48-49;
Cl 2:13; Tg 5:15), que nos purifique (Pv 20:9; 1 Jo 1:9), que nos dê forças
para vencermos os pecados (Pv 28:13; Rm 6:1-2; 1 Ts 5:24; 1 Pe 4:1), e que nos
conduza para além do poder e da presença do pecado para sempre (1 Co 15:50-56),
pois é absolutamente claro nas Escrituras que nós não podemos fazer nenhuma
dessas coisas em nosso próprio benefício (Jo 15:5).
Entretanto,
ainda permanece a necessidade de encararmos algumas das dimensões da natureza
do pecado contidas na revelação para que sejamos capazes de vislumbrar
respostas sobre a relação da hamartologia com a doutrina da perfeição humana e
adiante com o conceito de perfeccionismo.
Podemos
perseguir duas linhas distintas de evidências sobre a natureza e manifestação
do pecado na vida humana que não se contradizem, antes se complementam, mas que
tem o potencial de tornar esse assunto um pouco confuso para alguns estudantes
da Bíblia e dos escritos de Ellen White, são elas: 1) A dimensão essencial; e
2) A dimensão relacional.
1. A dimensão essencial do conceito de pecado
A Bíblia introduz a história do pecado na humanidade em Gn 3, com a
história da queda de nossos primeiros pais. Até então o casal no Éden era
absolutamente perfeito dentro dos limites da natureza humana criada por Deus à
sua imagem e semelhança (Gn 1:26-28, 31), mas deve-se notar que “a primeira
consequência do pecado foi a alteração da natureza humana” (NISTO CREMOS, p.
112).
Essa alteração nos conduz à dimensão essencial da presença do “pecado” na
própria natureza da humanidade, e não apenas em seus comportamentos ou
relacionamentos. É a partir dessa perspectiva que a revelação compreende o ser
humano como “concebido em pecado” (Sl 51:5), e envolvido em “transgressão” de
forma ativa, ainda que misteriosa, desde sua gestação (Is 48:8), e/ou “logo”
após sua concepção ou nascimento (Sl 58:3), sendo, dessa forma, que o homem é
“inimigo de Deus por natureza” (Ef 2:3, itálicos supridos). É por causa dessas
realidades que podemos afirmar que o ser humano não apenas comete pecado
(dimensão relacional), mas é pecador (dimensão essencial), conforme lemos em
Lucas 5:8; 13:2-3; 18:13; Romanos 5:8; Gálatas 2:17; e Tiago 4:8. A
complexidade desse conceito demonstra ser ainda mais profunda quando vemos o
pecado se alastrando na humanidade dentro de uma estrutura claramente
hereditária, uma vez que os “muitos” seres humanos de Rm 5:19 (leia-se todos,
exceto Cristo, cf. Rm 3:23; Hb 4:15) se tornaram pecadores não primariamente
por causa de seus próprios pecados, mas pela desobediência de um só, Adão.
Tal realidade tem sido objeto de efervescente interesse e disputa
hermenêutica ao longo dos séculos da era cristã, mas na atualidade as
pressuposições e conclusões advindas de Rm 5:19 (no contexto imediato de Rm
5:12-21) parecem terem sido relegadas a um segundo plano na consciência cristã
de forma geral, e também na consciência cristã adventista, resultando no fato
de que “a decadência da doutrina do pecado hereditário [dimensão essencial]
levou ao deslocamento e, em última análise, à redução do conceito de pecado a
pecados atuais.” (PANNENBERG, 2009, v. 2, p. 340, itálicos supridos).
As maiores dificuldades com a compreensão e aceitação do pecado em termos
essenciais na natureza humana surgem de noções simplistas sobre a justiça e a
bondade amorosa e perdoadora de Deus. Seria o pecado de Adão, aparentemente tão
insignificante e infantil para a mentalidade de alguns, motivo suficiente para
justificar as terríveis consequências naturais e espirituais que se abateram
sobre seus descendentes? Em um senso de justiça particular e, considerando-se
apenas a lógica humana, a resposta de muitos é: não! Entretanto, tal conclusão
surge como manifestação de dúvida sobre a confiabilidade das próprias
afirmações contidas na Palavra de Deus, e isso, geralmente, da parte de um ser
humano que deseja questionar e julgar o próprio Deus (cf. Rm 9:20). Aqueles,
entretanto, que pela fé compreendem terem sido incluídos na oração de Cristo
registrada em João 17:17, se submetem ao que a Bíblia diz e buscam lhe
compreender em seus próprios termos.
A afirmação bíblica específica sobre a hereditariedade do pecado em Rm
5:19, dentro do contexto de Romanos 5:12-21, por sua vez, já gerou muitas
tentativas de interpretação para se resolver “o problema,” como, por exemplo, a
explicação católica romana, defendida no concílio de Trento, de que o pecado
original é “próprio” a cada descendente de Adão individualmente (CATECISMO, p.
115), no sentido de que, de alguma forma, todos teriam pecado “em Adão.”
Entretanto, Rodríguez (2012) nos diz que
Argumentar que quando Adão pecou nós todos pecamos por que nós estávamos
nele é introduzir na bíblia um mal entendimento sobre a natureza humana.
Implícita na afirmação que estávamos em Adão está a ideia de que nós somos
pré-existentes em relação ao nosso nascimento natural, e que, portanto, nós
somos responsáveis pelo pecado de Adão. (...) Ao insistir que nós estávamos em
Adão quando este pecou, estamos ensinando, não intencionalmente, que nós somos
responsáveis por ações cometidas por nós mesmos fora de nossa presente forma
física, mas de alguma forma, dentro do corpo de Adão. Aqueles que promovem essa
visão não estão usando essa linguagem de forma metafórica, pois de acordo com
eles nós pecamos de fato, nos tornamos pecadores, no pecado de Adão. Uma vez
que somente as próprias pessoas são responsáveis por suas ações, portanto, nós
tínhamos que existir em alguma forma quando Adão pecou para que sejamos
responsabilizados pelo pecado dele. Mas tais ideias são estranhas a Romanos
5:12-21. Precisamos reconhecer, contudo, que o pecado de Adão teve impacto
universal, e é exatamente isso que Paulo está argumentando. Nós todos somos
pecadores, nós todos estamos separados de Deus por causa do pecado de Adão.
Paulo explica o que ele quer dizer ao afirmar que quando Adão pecou, o
pecado e a morte entraram no mundo. Certamente o pecado de Adão não é o nosso
pecado, mas ele tornou impossível para qualquer ser humano não pecar, pois a
morte, como um poder universal, veio ao mundo como resultado do pecado de Adão,
e isso inclui a morte espiritual e física. Estamos separados de Deus como uma
raça cuja natureza não tem poder para resistir ao poder do pecado. Nossa
condição pecaminosa foi seguida de atos pecaminosos por que nós estávamos
espiritualmente mortos. (...) Nós somos pecadores não por que quando Adão
pecou, nós que alegadamente estávamos nele, pecamos, mas por que viemos debaixo
do poder da morte, separados de Deus, o que tornou o pecado inevitável para nós.
Dentro
dessa discussão é importante relembrar que a morte fora designada
inequivocamente como o quinhão da transgressão humana (Gn 2:16-17), e que ela
haveria de envolver a humanidade em todas as suas dimensões, tanto físicas
(morte natural), como espirituais (morte espiritual) conforme implicam
claramente os textos de Romanos 6:23 e Efésios 2:1. Portanto, concluímos pela
Palavra de Deus que através da transgressão dos nossos primeiros pais o pecado
se tornou uma realidade que escravizou toda a humanidade (Rm 7:14-25).
Em toda a experiência humana com o pecado, entretanto, o Senhor não deixou
de manifestar a disposição de ser misericordioso, apesar da culpa de Adão, e
das culpas individuais de todos os seus filhos (adquiridas com a experiência
própria de pecado da parte de cada ser humano, desde o ventre de suas mães
conforme Sl 51:5; 58:3; e Is 48:8), o que moveu a Deus a nos salvar dos nossos
pecados por causa do grande amor com que nos amou (Mt 1:21; Tt 3:5).
O entendimento bíblico da IASD corrobora inequivocamente a dimensão
essencial do pecado na natureza humana, dentro de uma estrutura hereditária de
propagação e abrangente em manifestação, o que podemos verificar nas seguintes
afirmações: “A natureza humana pode ser descrita como corrupta, depravada e
inteiramente pecaminosa.” (NISTO CREMOS, p. 115); “A história revela que os
descendentes de Adão compartilham da pecaminosidade de sua natureza.” (NISTO
CREMOS, p. 115); “A corrupção do coração humano afeta a pessoa em sua
totalidade” (NISTO CREMOS, p. 116); “Já herdamos nossa pecaminosidade básica”
(NISTO CREMOS, p. 116); “A universal pecaminosidade da raça humana constitui
evidência de que, por natureza, tendemos ao mal, e não ao bem” (NISTO CREMOS,
p. 116); “Não nos é possível herdar a vontade originalmente não pervertida que
[Adão e Eva] perderam quando falharam na grande prova” (CAIRUS, 2001, p. 244);
“O pecado não se restringe a atos individuais, mas é retratado como um estado
de ser” (FOWLER, 2001, p. 277); “Uma natureza corrupta e pecadora produz atos
pecaminosos.” (FOWLER, 2001, p. 277); “Os seres humanos não são pecadores
porque cometem pecado; pecam porque são pecadores” (FOWLER, 2001, p. 278).
White
compartilha de conceitos muito similares a estes, como podemos perceber nos
seguintes textos: “Somos pecaminosos, e incapazes por nós próprios de praticar
as palavras de Cristo.” (1986b, p. 47) “Em resultado da desobediência de Adão,
todo ser humano é transgressor da lei, vendido sob o pecado.” (1967, p. 146);
“Adão caiu sob o domínio de Satanás. Introduziu no mundo o pecado e, pelo
pecado, a morte.” (1985b, p. 69); “Adão desobedeceu e transmitiu o pecado a sua
posteridade.” (1980a, p. 316); “[um] único pecado trouxe ao mundo a morte e
nossas desgraças todas.” (1997a, p. 150). “O homem não podia servir de expiação
pelo homem. Sua condição pecaminosa e decaída faria dele uma oferta
imperfeita.” (1992, p. 24); “Declarou-se-lhes [a Adão e Eva], porém, que sua
natureza ficara depravada pelo pecado.” (1997b, p. 61); “Em nós mesmos somos
pecadores.” (1985c, p. 394);
Em três sentenças maiores White afirma:
“Mas pela desobediência, suas faculdades [da humanidade] foram
pervertidas, e o egoísmo tomou o lugar do amor. Sua natureza tornou-se tão
enfraquecida pela transgressão que lhe era impossível, em sua própria força,
resistir ao poder do mal.” (1994, p. 17);
“A lei de Deus é santa como Ele próprio é santo, perfeita como Ele é
perfeito. Ela apresenta aos homens a justiça de Deus. Impossível é ao homem, de
si mesmo, guardar essa lei; pois a natureza do homem é depravada, deformada, e
inteiramente diversa do caráter de Deus.” (1988a, p. 54);
“Era possível a Adão, antes da queda, formar um caráter justo pela
obediência à lei de Deus. Mas deixou de o fazer e, devido ao seu pecado, nossa
natureza se acha decaída, e não podemos tornar-nos justos. Visto como somos
pecaminosos, profanos, não podemos obedecer perfeitamente a uma lei santa.”
(1994, p. 62);
A insubmissão a qualquer uma dessas verdades afetará radicalmente a
compreensão da doutrina da perfeição cristã. Isso acontece porque tal doutrina
só pode ser avaliada corretamente sob o pano de fundo da doutrina do pecado,
com todas as implicações radicais que advém de sua manifestação dominante e
escravizadora sobre a condição humana de forma universal, após a queda.
Mas a insubmissão diante das características e implicações da dimensão
essencial do pecado na humanidade constrói um dos alicerces da heresia
perfeccionista, que só consegue sobreviver negando direta ou indiretamente as
verdades bíblicas, e dos escritos de Ellen White, sobre a facticidade e força
da dimensão essencial do pecado na própria natureza humana. Por isso fazemos
bem em atentar para as conclusões de Warfield (1958, p. xi) de que “O
perfeccionismo defende uma noção inadequada de pecado. O perfeccionismo é
impossível na presença de uma noção profunda de pecado.”
Desta forma podemos perceber que o perfeccionismo está destinado a
forçosamente abrandar o conceito de pecado, e ele faz exatamente isso ao
tornar-se seletivo para com as fontes das quais retira sua interpretação
(Bíblia e escritos de Ellen White), ora mal interpretando a evidência ou
simplesmente deixando de fora as ênfases que em última instância negam seus
fundamentos, pressuposições e suas conclusões.
2) A dimensão relacional do conceito de pecado
A ênfase mais destacada no conceito de pecado, entretanto, se refere à
presença de alguma espécie de mal na dimensão relacional do ser humano para com
Deus, e para com seu próximo (Mt 12:30-31). É dentro dessa dimensão que estão
contidas as noções mais comuns de pecado como: “transgressão da lei” de Deus (1
Jo 3:4); “tudo que não provém da fé” (Rm 14:23); Tudo que destrói o ser
humano/a igreja em qualquer sentido ou dimensão (1 Co 3:16-17); não fazer o que
alguém sabe que “deve fazer” (Tg 4:17); mau uso da liberdade humana em direção
à desobediência (Is 65:12; 66:3).
É importante notar também que a noção de pecado aqui inclui, não apenas
comportamentos de transgressão, mas invade o próprio mundo dos pensamentos e
das intenções do “coração” humano, antes de se manifestar exteriormente (Mt
5:28; 15:19; Mc 7:21). Faz-se necessário acentuar, também, que a reminiscência
factual de certa dimensão do pecado na vida dos próprios cristãos (Rm 5:8; 1 Jo
1:8, 10; Tg 3:2; cf. Ec 7:20), não justificam ou fazem do pecado, no sentido
agora discutido, algo mais forte do que o poder da graça de Deus em livrar o
homem de pecar já em sua experiência presente (cf. Rm 5:20; 6:1-2, 11, 14, 18,
22; 1 Jo 3:6-9).
A complexidade do conceito de pecado, entretanto, não deixa de estar
presente quando analisamos detidamente algumas implicações da dimensão
relacional de sua natureza e manifestação na vida humana.
Uma vez que o pecado pode ser descrito como “transgressão da lei” de Deus
(1 jo 3:4), se torna importante notar que, por outro lado, o “cumprimento da
lei” é o amor (Rm 13:10). O amor verdadeiro é descrito em 1 Cor 13 como uma
disposição de vida, em termos de seus sentimentos, emoções, razões, motivações,
atitudes e relacionamentos que envolvem a manifestação de características
inegociáveis como: paciência, bondade; e ausência de: ciúmes, soberba, maus
comportamentos, egoísmo, exasperação e alegria por injustiças. É dito também
que o amor se regozija com a verdade, não se ufana, além de tudo sofrer, crer,
esperar e suportar, sendo que o verdadeiro amor jamais acaba. É dentro desse
contexto que podemos, portanto, avaliar corretamente o que é o pecado (a
transgressão da lei de Deus, cujo cumprimento é o amor), e o que se deve
esperar de quem se torna vitorioso contra ele pela graça de Deus em Jesus
Cristo.
É dentro dessa estrutura de pensamento que somos capazes de melhor
apreciar e entender as exortações cristãs em direção ao amor como marca
identificadora da comunidade que recebeu a salvação que Jesus Cristo veio
trazer, manifesta na forma de vitória sobre o pecado, desde já, em certo
sentido (Rm 6:22). O próprio Cristo disse: “Nisto conhecerão todos que sois
meus discípulos: se tiverdes amor uns aos outros” (Jo 13:35) e Paulo, por sua
vez, afirma que “quem ama o próximo tem cumprido a lei.”(Rm 13:8). Essa é uma
parte essencial da mensagem cristã (cf. 1 Co 16:14; Ef 3:17; Cl 1:4, 8; 1 Ts
1:3; 1 Pe 1:22; 1 Jo 2:10; 3:14; 4:7, 20-21).
Nessa
direção devemos ainda estabelecer dois pontos importantes. O primeiro ponto é
que ninguém deve pregar a “perfeição cristã” desassociada do fato de que
qualquer falha em amar a Deus ou em amar a qualquer ser humano de forma
perfeita e incondicional, constitui pecado: transgressão da lei de Deus. Mesmo
que tal falha em amar se dê no mínimo grau/sentido (seja em intenções,
pensamentos, palavras ou atitudes), e mesmo que tal transgressão ocorra pelo
menor espaço de tempo possível ou sob qualquer circunstância da vida humana
nesta terra. O segundo ponto é que mesmo a facticidade do amor a Deus e às
pessoas não coloca o ser humano que ama acima da experiência do pecado em todo
e qualquer sentido [especialmente na dimensão essencial], pois ele continua a
ser exortado a crescer diante do padrão do próprio amor que ele já manifesta
pela graça de Deus (Fp 1:9; 1 Ts 3:12; 2 Ts 1:3; 2 Pe 1:3-8), o que implica
que, apesar de amar de forma reconhecidamente real, ele ainda é imperfeito
diante das dimensões mais radicais do amor perfeito e incondicional, e por
causa disso, continua sendo reputado como pecador, mesmo “cumprindo a lei” (Rm
13:8; cf. Ap 12:17; 14:12). Essa é a realidade paradoxal que confunde muitos
cristãos, mas com base na Palavra de Deus é possível afirmar que existem
pessoas que são fiéis à lei de Deus, mas que nem por isso deixaram de ser
pecadoras!
A partir das ênfases relacionais do conceito de pecado surge a compreensão
adventista de que em certo sentido: Pecado é também “um ato individual, uma
falta de conformidade com a lei de Deus” (FOWLER, 2001, p. 282); “O pecado é um
mal moral - o resultado de um agente moral livre que decide violar a vontade
revelada de Deus” (NISTO CREMOS, p. 113). “Qualquer desvio da conhecida vontade
de Deus, quer seja por negligência em fazer aquilo que Ele ordena seja feito,
que seja por fazer aquilo que Ele proíbe especificamente” é pecado (HORN, 1979,
verbete: Pecado).
Fowler ainda nos relembra que:
“O pecado não é apenas um ato e um princípio, mas é também um poder
escravizador. (...) [e] os atos pecaminosos são apenas expressões externas e
visíveis de uma doença que acometeu nossas emoções, pensamentos, vontade, e
poder para agir” (2011, p. 281).
“O pecado é um caminho mau que o ser humano escolhe por livre e espontânea
vontade. Não se trata de uma fraqueza pela qual os seres humanos não podem ser
responsabilizados, pois o ser humano na atitude ou no ato de pecar, escolhe
deliberadamente um caminho de rebelião contra Deus, de transgressão de sua lei,
e deixa de ouvir a Palavra de Deus. Pecado é tentar ultrapassar os limites
estabelecidos por Deus” (2011, p. 269-270).
White
também compreende a natureza do pecado respeitando todas essas dimensões quando
afirma: “Nenhum homem é forçado a transgredir. Seu próprio consentimento deve
ser inicialmente vencido.” (2004, p. 177); “Obediência a Deus é liberdade do
cativeiro do pecado, livramento da paixão e impulso humanos.” (1967, p. 259);
“Jesus morreu para salvar o Seu povo dos pecados deles, e redenção em Cristo
significa cessar a transgressão da lei de Deus e estar livre de todo pecado”
(1985a, p. 95); “O pecado é a desobediência à expressa vontade de Deus, uma
negação virtual de Deus, uma recusa às leis de Seu governo.” (NICHOL, 1978, v.
1, p. 1083); “O amor a Deus e ao próximo é a própria essência de nossa
religião” (1985c, p. 337). “O inimigo sabe muito bem que se não tivermos amor
uns para com os outros, ele poderá alcançar seu objetivo.” (1980a, p. 165).
Em outras três citações, em vista da dimensão relacional do conceito de
pecado, White expõe que:
“Ninguém deve se enganar com a crença de que pode tornar-se santo enquanto
voluntariamente transgride um dos mandamentos de Deus. O cometer o pecado
conhecido faz silenciar a voz testemunhadora do Espírito e separa a alma de
Deus. Pecado é a transgressão da lei.” (2001a, p. 472);
“Nossa única definição de pecado é a que é dada na Palavra de Deus; é:
‘transgressão da lei’; o pecado é a operação de um princípio em conflito com a
grande lei do amor, que é o fundamento do governo divino.” (2001a, p. 493);
“A tentação mais forte não pode desculpar o pecado. Por maior que seja a
pressão exercida sobre a alma, a transgressão é o nosso próprio ato. Não está
no poder da Terra nem do inferno compelir alguém a fazer o mal. Satanás
ataca-nos em nossos pontos fracos, mas não é o caso de sermos vencidos.”
(1997b, p. 421);
A dimensão relacional do conceito de pecado causa menos problemas
filosóficos e teológicos do que alguns aspectos da dimensão essencial (ver:
PANNENGERG, 2009, v. 2, p. 335-396; BULTMANN, 2008, p. 310-315), mas ela também
coloca diante de nós uma realidade ampla, muitas vezes paradoxal e complexa com
a qual precisamos lidar com sabedoria a fim de entendermos o que se espera de
nós diante dos fatos. Ao nos determos nesse assunto vamos descobrir que Deus
exige de nós inicialmente somente sinceridade para com a própria realidade do
pecado pessoal que cada um carrega em si como resultado de sua desobediência à
Palavra do Senhor (Jr 3:13). Adiante, aquele que assim o faz, com
arrependimento e com uma atitude de abandono de seu pecado em tudo que lhe for
possível, alcançará perdão e purificação misericordiosa de todo pecado (Pv
28:13; Mt 12:31; 1 Jo 1:9), entretanto, ainda soa o alarme: mesmo o cristão
mais fiel e vitorioso não pode declarar estar livre de pecado em todo e
qualquer sentido do termo sob a pena de ser desmascarado como mentiroso e fazer
a Deus também mentiroso (1 Jo 1:8, 10).
As dimensões do conceito de pecado expostos aqui, nem de longe esgotam as
questões da hamartiologia, mas já se demonstram razões claras e suficientes para
a conclusão de que não podemos tratar o conceito de pecado como se referindo
somente aos desvios puramente voluntários e comportamentais dos seres humanos
(cf. Rm 7:20). É fato que todos os homens estão envolvidos em uma trama
complexa de relações espirituais com as forças do bem e com as forças do mal
desde sua concepção, gestação e nascimento, e que isso conduz a discussão sobre
o conceito de pecado ao próprio âmago da natureza humana. Todos os homens
carregam em si tendências pecaminosas e uma natureza corrompida, a priori, fato
que não justifica (no sentido de tornar justo) nenhum pecado, mas explica a
existência de todos os pecados que nos geram culpa, sofrimento e morte. Deus,
todavia, respondeu ao pecado (em todo e qualquer sentido) com uma redenção
salvífica suficiente para nos livrar de todo o pecado por toda a eternidade (Rm
3:23-24; Hb 9:12).
Mestre em teologia - Pr. Ezequiel Gomes - IASD