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sexta-feira, 29 de março de 2013

John Wycliff

John Wycliff e os lolardosJoão Wycliffe nasceu na terra natal de Occam, na Inglaterra, aproximadamente na mesma data em que o exilado excomungado morreu de peste em Munique. Embora chegassem a muitas conclusões idênticas no tocante à igreja, Wycliffe e Occam divergiam grandemente nas abordagens básicas da filosofia e da teologia. Wycliffe era realista em relação às proposições universais, mas acreditava, assim como Occam, que o papa era corrupto e que a igreja deveria ser governada pelo povo de Deus com seus respectivos representantes e não pela estrutura hierárquica clerical.
Wycliffe nasceu por volta de 1330 em Lutterworth, no condado de Yorkshire, na Inglaterra. Morreu ali em 1384 como pároco, depois de ter sido afastado da Universidade de Oxford pelos seus colegas e pelos líderes eclesiásticos, devido aos seus ensinos radicais. Ainda jovem, Wycliffe tornou-se mestre no Balliol College da Universidade de Oxford, alcançou rapidamente posição de destaque e adquiriu grande reputação como erudito e forte defensor de reformas na igreja. Enquanto dava aulas em Oxford, assim como muitos outros catedráticos, Wycliffe era funcionário do rei da Inglaterra de quem recebia proteção contanto que suas opiniões concordassem com as da realeza. Serviu de mediador entre a igreja e a corte real nas disputas a respeito dos bens imóveis da igreja, impostos e de outras questões conflitantes entre a igreja e o estado e escreveu dois grandes livros sobre a teoria governamental: On divine lordship [Do senhorio divino] e On civil lordship [Do senhorio civil]. Escreveu, também, On the king's office [Do papel do rei], On the truth of the Holy Scriptures [Da veracidade das Sagradas Escrituras], On the church [Da igreja], On the power of the pope [Do poder do papa], On the eucharist [Da eucaristia] e On the pastoral office [Sobre o cargo pastoral]. Defendia a tradução da Bíblia inteira para a linguagem do povo para que todos os cristãos pudessem lê-la e estudá-la por conta própria. Graças a isso, é lembrado no nome da maior sociedade de tradução bíblica do mundo.
Wycliffe não era nada diplomático ou flexível em questões que envolviam suas fortes convicções. Censurava a corrupção e abusos dentro da igreja e condenava duramente os papas de sua época por causa da secularidade e obsessão pelo poder e dinheiro. Um exemplo de sua invectiva contra o papa oferece uma amostra de sua inclinação à polêmica: “Portanto, o papa corrupto é anticristão e maligno, por ser a própria falsidade e o pai das mentiras”6. Chamou os ubíquos frades de seu país de “adúlteros da Palavra de Deus, que usam as vestes e véus coloridos das prostitutas”7. Wycliffe antecipou os ataques de Lutero contra a corrupção da igreja de forma mais veemente em sua crítica às indulgências. As indulgências eram documentos de absolvição do castigo temporal (como o purgatório) dos pecados vendidos por agentes dos papas. Wycliffe condenou severamente essa prática, assim como Lutero o fez em seus dias. A respeito das críticas que o teólogo de Oxford fez contra a igreja, um biógrafo moderno de Wycliffe escreve: “Um ataque como esse foi necessariamente o prelúdio para a Reforma e uma contribuição importante de Wycliffe. De fato, pode-se dizer que o ataque de Wycliffe foi tão direto, tão devastador que poupou os reformadores do século XVI o trabalho de realizar a tarefa sozinhos”8.
Em 1377, dezoito “erros” de Wycliffe foram condenados pelo papa a pedido de alguns de seus colegas em Oxford. Ele foi intimado a comparecer diante dos bispos da Inglaterra para se defender. Nessa ocasião, conseguiu evitar a confrontação apenas porque a rainha-mãe o defendeu firmemente. Em 1378, Wycliffe começou a criticar o Grande Cisma do Ocidente, no qual dois homens e, posteriormente, três alegavam ser papas. Suas críticas, no entanto, não se restringiram ao papado. Elas se estenderam às doutrinas católicas essenciais como a transubstanciação, que se tornou dogma semi-oficial da igreja no tocante à eucaristia no Quarto Concílio Laterano em 1215. A família real apoiou e protegeu Wycliffe até 1381, quando ele simpatizou abertamente com a revolta dos camponeses. Sofrendo grandes pressões do corpo docente de Oxford e dos bispos da Inglaterra, Wycliffe voltou à sua paróquia natal em Lutterworth, onde passou o resto de seus dias escrevendo e organizando uma sociedade de pregadores leigos pobres, conhecidos como lollardos. Morreu de derrame enquanto conduzia o culto no último dia de 1384 e foi condenado como herege e oficialmente excomungado pelo Concílio de Constança em 1415; ali também foi queimado na fogueira seu dovoto seguidor boêmio, João Hus. Os restos mortais de Wycliffe foram exumados, queimados e jogados no rio Swift pelo bispo de Lincoln em 1428.
Ossos de Wycliff são queimados, do livro de Fox.
Diferentemente de Occam, Wycliffe era um ardoroso realista no tocante às proposições universais. Nessa questão, assim como também em muitas outras, ele recorreu à tradição cristã platônica da igreja primitiva e de Agostinho e se posicionou com Anselmo. Empregava a lógica escolástica, mas dava pouco valor ao aristotelismo de Aquino e ao nominalismo de Occam. O realismo de Wycliffe manifestou-se em várias áreas da sua teologia, mas em nenhum outro lugar com tanta força quanto em sua crítica à doutrina da transubstanciação. Segundo ela, quando o sacerdote pronuncia as palavras da consagração na celebração da missa, o pão muda de substância e torna-se verdadeira e fisicamente a carne de Jesus Cristo enquanto o vinho torna-se de fato seu sangue. Os “acidentes” ou qualidades exteriores do pão e do vinho permanecem os mesmos, mas a substância interior é transformada de tal maneira que, segundo a doutrina, a pessoa que participa da eucaristia realmente come e bebe o corpo e sangue de Cristo. Embora essa doutrina da eucaristia não tenha se tornado um dogma definitivo e formal – já não mais passível de debate – antes do Concílio de Trento no século XVI, ainda na época de Wycliffe chegou a ser crença e doutrina aceita pela Igreja Católica Romana. Wycliffe lutou com ferocidade contra essa doutrina e usou o realismo como aliado.
Na obra On the eucharist, Wycliffe levantou muitas objeções contra a doutrina da transubstanciação e até mesmo a rotulou de “fantasias infiéis e infundadas” e argumentou que ela levava à adoração idólatra dos alimentos. Mas seu argumento mais forte baseava-se na metafísica realista. A referida doutrina subentende que uma substância, como o pão e o vinho, pode ser destruída e que “acidentes” podem existir sem que haja nenhuma relação com a substância. Segundo Wycliffe, essa crença desonra a Deus que é o autor de todas as substâncias. Além disso, viola as regras básicas da metafísica e da lógica. Em qualquer metafísica realista, quando uma substância ou proposição universal é destruída, seus acidentes também são destruídos. Pelo menos, assim ele acreditava e argumentava.
De qualquer forma, Wycliffe apresentou seu próprio conceito da eucaristia como alternativa ao que chamava de “heresia moderna” da transubstanciação. Segundo seu conceito, as substâncias do pão e do vinho permanecem enquanto o Espírito do Deus vivo estiver nelas, de modo que contêm a “presença real” de Jesus Cristo, embora continuem sendo pão e vinho. Em suas próprias palavras: “Assim como Cristo é duas substâncias, a saber, terrena e divina, também esse sacramento é o corpo do pão material e o corpo de Cristo”9. Wycliffe rejeitava a ideia de que qualquer sacramento funcionasse ex opere operato. Nessa questão, rompeu com seu amado pai da igreja, Agostinho, e insistiu que, para que o sacramento fosse verdadeiro e transmitisse graça, devia existir a presença da fé. A visão de Wycliffe sobre os sacramentos – especialmente da refeição eucarística – foi prenúncio do pensamento dos grandes reformadores protestantes magisteriais: Lutero e Calvino. Sua doutrina da presença real de Cristo por meio do Espírito Santo antecipa, sobretudo, a de Calvino.
A rejeição de Wycliffe à doutrina e à prática católica romana medieval ia muito além da crítica à transubstanciação. Seus conceitos sobre ministério e autoridade foram ainda mais importantes para sua luta por reforma. O teólogo de Oxford argumentava que a responsabilidade básica do ministro cristão – o sacerdote – era proclamar o evangelho e esse dever sobrepujava todos os demais. “Pregar o evangelho é infinitamente mais importante do que orar e administrar os sacramentos. […] Difundir o evangelho produz um benefício maior e mais evidente; é, por isso, a atividade mais preciosa da igreja. […] Portanto, os que pregam o evangelho devem realmente ser consagrados pela autoridade do Senhor”10.
Como eles deviam ser escolhidos e consagrados? Wycliffe chegou a recomendar que os membros de cada paróquia escolhessem seu próprio sacerdote – uma ideia bastante radical para a época. Ele estava profundamente desiludido com o poder, as riquezas, a corrupção e os abusos de autoridade por parte dos líderes da igreja e voltou sua atenção para o povo de Deus como a voz da vontade de Deus no governo eclesiástico. Embora fosse realista, sua eclesiologia converge, em certos aspectos, para a de Occam. Assim como o nominalista de Munique, Wycliffe defendia reformas radicais do clero e até a abolição do papado em qualquer forma reconhecível.
Talvez o principal trabalho de Wycliffe na teologia tenha sido sua defesa da autoridade suprema das Escrituras para tudo que tem relação com a fé e a vida. A Igreja Católica medieval chegou a considerar que a tradição tinha a mesma autoridade das Escrituras. A palavra do papa era considerada, por muitos sacerdotes e bispos, a palavra de Deus, embora a teologia católica não exigisse necessariamente essa crença. O dogma da infalibilidade papal só foi promulgado oficialmente no século XIX, mas na prática, as palavras e ações dos papas medievais eram respeitadas como autoridade absoluta. Wycliffe rejeitava totalmente essa ideia e depois de 1380 começou a chamar os papas de anticristos. Até o papa precisava obedecer ao “padrão evangélico” de ensino e prática derivado inteiramente das Escrituras e, à medida que o papa deixava de ser verdadeiramente evangélico, deixava mesmo de fazer parte da verdadeira igreja de Jesus Cristo e não devia ser considerado seu senhorio temporal ou espiritual.
Wycliffe escreveu o tratado chamado De veritae Sacrae Scripturae [Da veracidade das Sagradas Escrituras] em 1378, ano em que começou o Grande Cisma Ocidental. Nele, apresentou a tese de que as “Sagradas Escrituras são a suprema autoridade para todo o cristão e o padrão de fé e de toda a perfeição humana”11. Afirmou, também, a infalibilidade das Escrituras, que se interpretavam a si mesmas e o papel do Espírito Santo em iluminar a mente dos leitores enquanto as lêem e estudam. Em outras palavras, assim como os principais Reformadores protestantes de tempos posteriores, Wycliffe rejeitava a necessidade do magisterium autorizado – o ofício da igreja no ensino e interpretação das Escrituras. A Bíblia, a Palavra inspirada de Deus, assume esse ofício e está acima de todas as agências eclesiásticas.
Wycliffe rejeitava, também, o sistema medieval penitencial da salvação. Nos séculos subsequentes a Gregório Magno, a igreja ocidental e, especialmente, os monges desenvolveram um sistema meticuloso e exigente de penitências, ou atos de contrição, que os cristãos tinham que seguir para conquistar mérito perante Deus. Embora Wycliffe não chegasse a aceitar plenamente o evangelho protestante da justificação unicamente pela graça, antecipou Lutero e Calvino e outros reformadores do século XVI ao condenar todas as práticas humanas que visavam conquistar méritos diante de Deus. Sem nunca criticar ou abandonar as genuínas obras de amor como parte integrante da vida cristã, Wycliffe atribuía todo o mérito somente a Cristo e enfatizava a graça e a fé de maneira que não se ouviu falar na igreja durante séculos. Além disso, endossava com firmeza a crença na predestinação e tendia ao monergismo no seu conceito da intervenção de Deus em relação à atuação humana. Baseava-se nas Escrituras e não na metafísica escolástica ou na teologia natural.
Início do evangelho de João na tradução de WycliffMuitas razões justificam a reputação de Wycliffe como precursor da Reforma protestante. Nenhuma delas é mais importante, entretanto, do que a sua ênfase à Bíblia como infinitamente superior, em veracidade e autoridade, a qualquer tradição ou ofício humano. “Cento e cinquenta anos antes daqueles tempo [da Reforma protestante], Wycliffe agarrou-se à única autoridade adequada à Reforma, concedeu-lhe posição de destaque em sua obra e não poupou esforços para torná-la conhecida pelo povo, graças à tradução e à insistência na pregação da Palavra”12.
Nos anos finais, em Lutterworth, organizou o grupo de evangelistas e pregadores leigos, posteriormente chamados de lollardos, que ajudaram a preparar a Reforma na Inglaterra. Além disso, lutou pela tradução da Bíblia para a língua inglesa e seus esforços produziram entre seus seguidores a primeira Bíblia em inglês, chamada Bíblia de Oxford. Seus livros e ensinos chegaram à cidade de Praga, na Boêmia, onde o grande pregador e reformador João Hus usou-os para estabelecer ali um movimento permanente pré-protestante. Posteriormente, Lutero aproveitou os trabalhos tanto de Hus quanto de Wycliffe em sua luta bem-sucedida para reformar a teologia e a vida eclesiástica na Europa.
Notas
6 Apud John Stacey, John Wyclif and Reform (Philadelphia, Westminster Press, 1964, p.21).
7 Ibid., p. 42.
8 STACEY, op. cit., p. 52.
9 Apud Stancey, op. cit., p. 107.
10 Matthew SPINKA, org., Advocates of Reform: from Wyclif to Erasmus, Philadelphia, Westminster Press, 1953, p. 49. (The Library of Christian Classics 14)
11 Ibid., p. 26.
12 STACEY, op. cit., p. 156.

e-cristianismo.com.br


quarta-feira, 20 de março de 2013

A teoria da evolução através da seleção natural já era!


Recentes descobertas sobre o DNA estão forçando a revisão drástica da teoria da evolução de Darwin. São três descobertas dentro de pesquisas científicas relacionadas com o DNA, o código da vida. Essas descobertas estão forçando um reexame radical de ideias previamente aceitas de como se originou a vida e como mudou em complexidade e variedade ao longo do tempo:
1. A descoberta de que todos os genomas em vários organismos diversos mostram que 30% dos genes não têm uma história evolucionária detectável. Os cientistas nomearam esses genes de Orphan.
2. Pesquisas em epigenética estão revelando que grande quantidade de mecanismos moleculares nas células afeta a expressão de genes e pode inibir totalmente sua expressão. Isso pode ser passado para a próxima geração.
3. Análise matemática do DNA parece ter revelado códigos detalhados escondidos dentro da estrutura do DNA. Esses padrões matemáticos não têm nenhuma função biológica concebível, e podem sugerir a evidência de que a origem do DNA foi intencional e planejada.
Enquanto isso, a Nomenklatura científica tupiniquim fica escrevendo cartas chorando as pitangas para o presidente da Academia Brasileira de Ciências, ou então assinando manifestos deplorando o avanço da teoria do Design Inteligente no Brasil. Senhores, a falência epistêmica da teoria da evolução de Darwin através da seleção natural e n mecanismos evolucionários é uma questão científica que precisa ser debatida. 
Tentar desviar o foco da gravidade paradigmática em biologia evolucionária é querer tapar o Sol das evidências contrárias a Darwin no contexto de justificação teórica com uma peneira furada da retórica do naturalismo/materialismo metodológico que posa como se fosse a própria ciência. Nada mais falso! Isso é desonestidade acadêmica – 171 epistêmico! 
Ao debate, Srs., pois Darwin kaput! Que venga la nueva teoría de evolución – a Síntese Evolutiva Ampliada (ou Estendida), que, pasme, somente será anunciada em 2020!

Fonte: criacionismo.com.br

sábado, 16 de março de 2013

Josefo e a Historicidade de Cristo

Flávio Josefo
Flávio Josefo é considerado como um dos maiores historiadores judeus de sua época, e além de escrever sobre a História dos Judeus e suas guerras, também escreveu sua autobiografia, na qual se descreve como filho de Matias o sacerdote judaico, nascido em Jerusalém, instruído pela torá e adepto do farisaísmo (JOSEFO, Flávio, História dos Judeus – CPAD, 2000, pp.476-495). O seu testemunho é importante, pois é provavelmente o único relato sobrevivente de uma testemunha ocular da destruição de Jerusalém.
Josefo é considerado como um revolucionário judeu que rendeu-se à supremacia romana trocando o suicídio pela lealdade a Roma. Por sua demonstração de lealdade, Vespasiano não apenas o recebeu como cidadão romano, mas o patrocinou como historiador.
No seu livro Antiguidade dos Judeus, que é normalmente datado na década de 90dC tem duas citações interessantes. A primeira faz clara referência a Tiago "irmão de Jesus chamado Cristo" (GEISLER, Norman, Não tenho fé suficiente para ser ateu – Vida, 2006, pp.227), veja:


Anano, um dos que nós falamos agora, era homem ousado e empreender, da seita dos saduceus, que, como dissemos, são os mais severos de todos os judeus e os mais rigorosos no julgamento. Ele aproveitou o tempo da morte de Festo, e Albino ainda não havia chegado, para reunir um conselho diante do qual fez comparecer Tiago, irmão de Jesus chamado Cristo, e alguns outros; acusou-os de terem desobedecido às leis e os condenou ao apedrejamento. Esse ato desagradou muito a todos os habitantes de Jerusalém, que eram piedosos e tinham verdadeiro amor pela observância das nossas leis – (JOSEFO, Flavio, História dos Judeus – CPAD, 2000, pp.465)
Dois fatos são interessantes nessa citação: (1) Confirma uma clara declaração das escrituras: Jesus tinha um irmão chamado Tiago (Gl.1.19); (2) Ele era reconhecido como Cristo, outra afirmação clara das escrituras (Mt.16.16).
A segunda declaração de Josefo a respeito de Jesus é ainda mais explícita e por isso, muito controversa. Pouco antes da declaração supracitada, ele também afirma:

Nesse mesmo tempo apareceu Jesus, que era um homem sábio, se todavia devemos considera-lo simplesmente como um homem, tanto suas obras eram admiráveis. Ele ensinava os que tinham prazer em ser instruídos na verdade e foi seguido não somente por muitos judeus, mas mesmo por muitos gentios. Ele era o Cristo. Os mais ilustres da nossa nação acusaram-no perante Pilatos e ele fê-lo crucificar. Os que o haviam amado durante a vida não o abandonaram depois da morte. Ele lhes apareceu ressuscitado e vivo no terceiro dia, como os santos profetas o tinham predito e que ele faria muitos outros milagres. É dele que os cristãos, que vemos ainda hoje, tiraram seu nome – (JOSEFO, Flávio, História dos Judeus – CPAD, 2000, pp.418)
Essa citação tem sido criticada como sendo impossível de ter sido proferida por um judeu-romano escrevendo sobre a história dos judeus. Normalmente apela-se par ao fato de que o texto acima é fruto de uma corrupção cristão tardia, especialmente pelo fato de que Orígenes (185-253dC) atesta que Josefo não aceitava a Messianidade de Jesus. Entretanto, essa declaração não é inteiramente verdadeira, observe a declaração de Orígenes:

Tamanha era a reputação de Tiago entre as pessoas consideradas justas, que Flávio Josefo, que escreveu Antiguidade dos Judeus em vinte livros, quando ansiava por apresentar a causa pela qual o povo teria sofrido grandes infortúnios que até mesmo o tempo fora destruído, afirma que essas coisas aconteceram com eles de acordo com a Ira de Deus em consequência das coisas que eles se atreveram a fazer contra Tiago o irmão de Jesus que é chamado Cristo. E o que é fantástico nisso é que, apesar de não aceitar Jesus como Cristo, ele deu testemunho da justiça de Tiago – (Orígenes, Origen's Commentarary on Matthew, IN: ROBERTS, Alexander, DONALDSON, James, Ante-Nicene Fathers, VOL 9, pp.424)
Considerando o fato de que Orígenes atesta que Josefo o chama de Cristo (como vimos que o faz quando fala sobre Tiago), embora não o considerasse como tal, não é impossível que a citação seja de fato verdadeira. Porém, devemos reconhecer que algumas das declarações desse texto atribuído a Josefo parecem por demais cristãs para serem de um fariseu, e entendemos que não é à toa que tenha sido considerada uma interpolação.
Edwin Yamauchi, professor emérito de história na Universidade de Miami, comenta essa citação de Josefo e explica que é possível perceber onde estão as interpolações, ou supostas alterações cristãs tardias. Ele argumenta que era incomum para um cristão referir-se a Jesus Cristo apenas como um homem sábio, o que sugere que o texto nesse caso é de Josefo. Por outro lado, parece improvável que um judeu sugeriria que ele não era simplesmente um homem. Nesse caso, Yamauchi atesta que esse é um possível caso de interpolação cristã tardia. Sobre a expressão "Ele ensinava os que tinham prazer em ser instruídos na verdade e foi seguido não somente por muitos judeus, mas mesmo por muitos gentios", Yamauchi defende que está em conformidade com o estilo e vocabulário de Josefo, mas a conclusão "Ele era o Cristo" parece direta demais para um judeu (STROBEL, Lee, Em defesa de Cristo, Vida, 1998, 104).
Contudo, ainda que tal citação de Josefo possa ser tomada com algumas ressalvas, é importante lembrar que uma versão árabe do texto de Josefo no mesmo trecho, que embora tenha as partes mais criticadas ausentes, apresenta aspectos interessantes sobre Cristo, observe:

Nessa época havia um homem sábio chamado Jesus. Seu comportamento era bom, e sabe-se que era uma pessoa de virtudes. Muitos dentre os judeus e de outras nações tornaram-se seus discípulos. Pilatos condenou-o à cruficicação e à morte. E aqueles que haviam sido seus discípulos não deixaram de seguí-lo. Eles relataram que ele lhes havia aparecido três dias depois da crucificação e que ele estava vivo [...] talvez ele fosse o Messias, sobre o qual os profetas relatavam maravilhas – (GEISLER, Norman, Enciclopédia de Apologética – Vida 2002, pp.449)
Após apresentar essa versão do texto de Josefo, em outro livro Geisler explica sua preferência por essa leitura:

Existe uma versão dessa citação na qual Josefo afirma que Jesus era o Messias, mas a maioria dos estudiosos acredita que os cristãos mudaram a citação para que fosse lida dessa maneira. De acordo com Orígenes, em dos pais da igreja nascido no século II, Josefo não era cristão. Desse modo, é improvável que ele pudesse afirmar que Jesus era o Messias. A versão que citamos aqui vem de um texto árabe que, acredita-se, não foi corrompido – (GEISLER, Norman, Não tenho fé suficiente para ser ateu – Vida, 2006, pp.227)
Diante dessas informações, devemos ainda lembrar os leitores que a credibilidade de Josefo como historiador já foi colocada a prova diversas vezes. Em um provocativo livro chamado Jesus e Javé, o judeu ateu Harold Bloom logo de início apresenta sua visão acerca de Cristo e Josefo:

Não há fatos comprovados acerca de Jesus de Nazaré. Os poucos fatos que constam na obra de Flávio Josefo, fonte da qual todos os estudiosos dependem, são suspeitos, pois o historiador era José bem Matias, um dos líderes da Rebelião Judaica, que salvou a própria pele por ter bajulado os imperadores da Dinastia Flaviana: Vespasiano, Tito e Domício. Depois que um indivíduo proclama Vespasiano como Messias, ninguém deve mais acreditar no que tal pessoa escreve a respeito do seu povo. Josefo, mentiroso inveterado, assistiu, tranquilamente à captura de Jerusalém, à destruição do Templo e à matança dos habitantes – (BLOOM, Harold, Jesus e Javé, os nomes divinos – Objetiva, 2006, pp.31)
Nesse momento temos que fazer uma importante pergunta: "O que ganharia esse judeu traidor nacional em mencionar a figura de Jesus?". Considerando o fato de que era financiado por Roma, era de se esperar que sua visão pudesse ter sido comprada pelos romanos e sua história tenha cedido em alguns lugares à tentação de ser conscientemente impreciso o que o levou a ganhar a fama de mentiroso inveterado.
Contudo, aos olhos de Roma, essa nova "religião" tinha claras tendências de ser facciosa ao Império em função do seu estranho conjunto de doutrinas e sua objetiva recusa de adorar ou a César ou aos deuses romanos. Com isso, era de se esperar que ele suprimisse qualquer evento, fato ou personagem que pudesse o colocar em oposição com seus patrocinadores.
Portanto, é evidente que não haveria qualquer ganho para Josefo em apresentar a pessoa de Jesus, e talvez, por essa mesma razão, é que ele tenha escrito tão pouco a seu respeito. Mas, ainda assim, com o testemunho de Josefo, nós podemos reconhecer algumas das características de Cristo e sua história, tal como contada pelos evangelistas:
(1) Jesus foi um homem considerado sábio;
(2) de bom comportamento e virtudes;
(3) tinha um irmão chamado Tiago
(4) teve muitos seguidores de diferentes nacionalidades;
(5) foi crucificado por Pilatos;
(6) por crucificação;
(7) nem por isso seus discípulos o abandonaram;
(8) eles relataram a ressureição de Cristo após três dias;
(9) além de uma possível relação com o Messias anunciado pelas escrituras hebraicas.

terça-feira, 5 de março de 2013

Vida e obra de João Huss

João Huss nasceu por volta de 1370 de uma família camponesa que vivia na pequena aldeia de Hussinek, eJoão Hus ingressou na universidade de Praga quando tinha uns dezessete anos. A partir de então toda sua vida transcorreu na capital de seu país, excetuados seus dois anos de exílio e encarceramento em Constança. Em 1402 ele foi nomeado reitor e pregador da capela de Belém. Ali ele pregou com dedicação a reforma que tantos outros checos propugnavam desde tempos de Carlos IV. Sua eloquência e fervor eram tamanhos que aquela capela em pouco tempo se transformou no centro do movimento reformador. Venceslau e sua esposa Sofia o escolheram por seu confessor, e lhe deram apoio. Alguns dos membros mais destacados da hierarquia começaram a encará-lo com receio, mas boa parte do povo e da nobreza parecia segui-lo, e o apoio dos reis ainda era suficientemente importante para que os prelados não se atrevessem a tomar medidas contra o pregador entusiasmado.
No mesmo ano que passou a ocupar o púlpito de Belém, Huss foi feito reitor da universidade, de modo que se encontrava em ótima posição para impulsionar a reforma.
Ao mesmo tempo que pregava contra os abusos que havia na igreja Huss continuava sustentando as doutrinas geralmente aceitas, e nem mesmo seus piores inimigos se atreviam a censurar sua vida ou sua ortodoxia. Diferente de Wycliff, João Huss era um homem extremamente gentil, e contava com grande apoio popular.
O conflito surgiu nos círculos universitários. Pouco antes tinham começado a chegar a Praga as obras de Wycliff. Um discípulo de João Huss, Jerônimo de Praga, passou algum tempo na Inglaterra, e trouxe consigo algumas das obras mais radicais do reformador inglês. Huss parece ter lido estas obras com interesse e entusiasmo, pois se tratava de alguém cujas preocupações eram muito semelhantes às dele. Mas Huss nunca se tornou um adepto de Wycliff. Os interesses do inglês não eram os mesmos do boêmio, que não se preocupava tanto com as questões doutrinárias como com uma reforma prática da igreja. Ele particularmente nunca esteve de acordo com o que Wycliff tinha dito sobre a presença de Cristo na ceia, e até o fim continuou defendendo uma posição muito semelhante à que era comum em seu tempo – a transubstanciação.
Na universidade, entretanto, as obras de Wycliff eram discutidas. Os alemães se opunham a elas por uma longa série de razões, mas principalmente no que referiam à questão das idéias universais, que já discutimos anteriormente; Wycliff era "realista", e os alemães seguiam as correntes "nominalistas" do momento. Os alemães tratavam os checos como um punhado de bárbaros antiquados, que não estavam em dia em questões filosóficas e teológicas, e por isto não adotavam o nominalismo que estava na moda. Agora as obras de Wycliff vinham em socorro dos boêmios, mostrando que na muito prestigiosa universidade de Oxford um famoso mestre tinha defendido o realismo, e isto em data relativamente recente.
Por isto, em sua origem, a disputa teve um caráter altamente técnico e filosófico. Mas os alemães, em seu intento de ganhar a batalha, tentaram dirigir o debate para as doutrinas mais controvertidas de Wycliff, no propósito de provar que ele era herege, e que por isto suas obras deveriam ser proibidas. João Huss e seus companheiros boêmios se deixaram levar por esta política, e logo se viram na difícil situação de ter de defender as obras de um autor com cujas idéias eles não estavam completamente de acordo. Repetidamente os checos declararam que não estavam defendendo as doutrinas de Wycliff, mas seu direito de ler as obras do mestre inglês. Mas apesar disto os alemães começaram a chamar seus adversários de "wyclifitas".
Sem demora, diversos integrantes da hierarquia que eram alvos dos ataques de Huss e de seus seguidores, e que viam nos ensinos de Wycliff uma ameaça séria à sua posição, se reuniram ao grupo dos alemães.
Era a época em que, em resultado do concílio de Pisa, havia três papas. Venceslau apoiava o papa pisano, enquanto o arcebispo de Praga e os alemães da universidade apoiavam Gregório XII. Venceslau necessitava do apoio da universidade para sua política, e já que os checos estavam em maioria nela, o rei simplesmente mudou o sistema de votação, dando três votos aos checos e um aos alemães. Estes, então, abandonaram a cidade e foram para Leipzig, onde fundaram uma universidade rival, declarando que a de Praga se entregara à heresia. Se bem que isto constituiu um grande trunfo para o movimento hussita, também contribuiu para propagar a idéia de que este movimento não passava de outra versão do wyclifismo, sendo, portanto, herege.
Mais tarde o arcebispo se submeteu à vontade do rei, e reconheceu o papa pisano. Mas se vingou de Huss e dos seus solicitando deste papa, Alexandre V, que proibisse a posse das obras de Wycliff. O papa concordou, e proibiu também as pregações fora das catedrais, dos mosteiros ou das igrejas paroquiais. Como o púlpito de Huss, na capela de Belém, não se enquadrava nestas determinações, o golpe estava claramente dirigido contra ele. A universidade de Praga protestou. Mas João Huss tinha agora de fazer a difícil escolha entre desobedecer o papa e deixar de pregar. Com o passar do tempo sua consciência se impôs. Ele subiu ao púlpito e continuou pregando a tão ansiada reforma. Este foi seu primeiro ato de desobediência, e a ele seguiram muitos outros, pois quando em 1410 foi convocado para Roma, para dar conta das suas ações, ele se negou a ir, e em consequência o cardeal Colonna o excomungou em 1411, em nome do papa, por não ter acedido à convocação papal. Mas apesar disto Huss continuou pregando em Belém e participando da vida eclesiástica, pois contava com o apoio dos reis e de boa parte do país.
Assim Huss chegou a um dos pontos mais revolucionários da sua doutrina. Um papa indigno, que se opunha ao bem-estar da igreja, não deve ser obedecido. Huss não estava dizendo que o papa não era legítimo, pois continuava favorável ao papa pisano. Mas mesmo assim o papa não merecia ser obedecido. Até aqui Huss não estava dizendo mais que os líderes do movimento conciliar, na mesma época. A diferença estava em que estes se ocupavam principalmente da questão jurídica de como decidir entre vários papas rivais, e buscavam a solução deste problema nas leis e nas tradições da igreja, enquanto Huss acabara por seguir Wycliff até este ponto, declarando que a autoridade final é a Bíblia, e que um papa que não se conforme a ela não deve ser obedecido. Mas mesmo assim isto era, com poucas diferenças, o que Guilherme de Occam tinha dito, ao declarar que nem o papa nem o concílio, mas somente as Escrituras eram infalíveis.
Outro incidente turbou a questão ainda mais. João XXIII, o papa pisano, estava em guerra com Ladislau de Nápoles. Nesta contenda sua única esperança de vitória estava em obter o apoio, tanto militar como econômico, do restante da cristandade latina. Para tanto ele declarou que a guerra com Ladislau era uma cruzada, e promulgou a venda de indulgências para custeá-la. Os vendedores chegaram à Boêmia, usando de todo tipo de métodos para vender sua mercadoria. Huss, que vinte anos antes tinha comprado uma indulgência, mas que agora mudara de opinião, protestou contra este novo abuso. Em primeiro lugar uma guerra entre cristãos dificilmente poderia receber o título de cruzada. E em segundo, somente Deus pode conceder indulgência, e ninguém pode querer vender o que vem unicamente de Deus.
O rei, entretanto, tinha interesse em manter boas relações com João XXIII. Entre outras razões para isto, a questão de se ele ou seu irmão Sigismundo era o imperador legítimo ainda não fora decidida, e era possível que, se a autoridade de João XXIII viesse a se impor, seria ele quem teria de decidir a questão. Por isto o rei proibiu que a venda de indulgências continuasse sendo criticada. Sua proibição, todavia, veio tarde demais. A opinião de João Huss e de seus companheiros já era conhecida de todos, a ponto de terem surgido passeatas do povo, em protesto contra esta nova maneira de explorar o povo checo.
Enquanto isto João XXIII e Ladislau fizeram as pazes, e a pretensa cruzada foi revogada. Huss, no entanto, para Roma ficou sendo o líder de uma grande heresia, e até chegou-se a dizer que todos os boêmios eram hereges. Em 1412 Huss foi excomungado de novo, por não ter comparecido diante da corte papal, e foi fixado um prazo curto para ele se apresentar. Se não o fizesse, Praga ou qualquer outro lugar que lhe desse acolhida estaria sob interdito. Desta forma a suposta heresia de Huss resultaria em prejuízo da cidade.
Por esta razão o reformador checo decidiu abandonar a cidade onde tinha passado a maior parte da sua vida, e se refugiar no sul da Boêmia, onde continuou sua atividade reformadora dedicando-se à literatura. Ali ele recebeu a notícia de que finalmente se reuniria um grande concílio em Constança, e que ele estava convidado para lá comparecer e se defender pessoalmente. Para isto o imperador Sigismundo lhe ofereceria um salvo-conduto, que lhe garantiria sua segurança pessoal.

Huss diante do concílio

João Hus diante do concílioO concílio de Constança prometia ser a aurora de um novo dia na igreja. Tinham comparecido a ele os mais distintos defensores da reforma através de um concílio, João Gerson e Pedro de Ailly. Nele seria decidido de uma vez por todas quem era o papa legítimo, e seriam tomadas medidas contra a simonia, o pluralismo e tantos outros males. E João Huss estava convidado, para apresentar seu caso. Aquela assembléia poderia ser o grande púlpito que ele usaria para pregar a reforma. Por isto Huss não poderia deixar de ir.
Mas por outro lado já o fato de ter sido necessário um salvo-conduto era um indício dos perigos que poderiam estar esperando por ele. Huss sabia que os alemães que tinham se transferido para Leipzig tinham continuado espalhando o rumor de que ele era herege. E sabia também que não podia contar com nenhuma simpatia da parte de João XXIII e da sua cúria. Por isto antes de partir ele deixou um documento que deveria ser lido no caso de sua morte. Para medirmos o caráter deste homem, observemos de passagem que este documento era uma confissão em que declarava que um dos seus grandes pecados era – que gostava demais de jogar xadrez! Os perigos que o esperavam em Constança eram grandes. Mas sua consciência o obrigava a ir. E assim partiu o reformador checo, confiando no salvo-conduto imperial e na justiça da sua causa.
João XXIII o recebeu com cortesia, mas poucos dias depois o chamou para o consistório papal. Huss foi, mesmo insistindo em que tinha vindo para expor sua fé diante do concílio, e não do consistório. Ali ele foi formalmente acusado de herege, e ele respondeu que preferia morrer que ser herege, e que o convencessem de que o era, ele se retrataria. A questão ficou suspensa, mas a partir de então Huss foi tratado como um prisioneiro, primeiro em sua casa, depois no palácio do bispo, e por último em uma série de conventos que lhe serviam de prisão.
Quando o imperador, que ainda não tinha chegado em Constança, soube o que tinha acontecido, ficou extremamente irado, e prometeu fazer respeitar seu salvo-conduto. Mas depois começou a dar menos ênfase nisto, pois não lhe convinha aparecer como protetor de hereges. Em vão foram os protestos do próprio Huss, como o foram os que chegaram de muitos nobres boêmios. Huss possuía inclusive um certificado do Grande Inquisidor da Boêmia, declarando que ele era inocente de qualquer heresia. Só que para os italianos, alemães e franceses, que eram a imensa maioria no concílio, os boêmios não passavam de bárbaros que sabiam pouco de teologia, e cujos pronunciamentos não deveriam ser levados a sério.
No dia 5 de junho de 1415, Huss compareceu diante do concílio. Poucos dias antes João XXIII tinha sido aprisionado e trazido de volta para Constança, como narramos no capítulo IV. Já que isto significava que o papa pisano tinha perdido todo o poder, e já que Huss tivera seus piores conflitos com ele, era de se supor que a situação do reformador melhoraria. Mas sucedeu o contrário. Quando Huss foi levado para a assembléia ele estava acorrentado, como se tivesse tentado fugir ou se já tivesse sido julgado. Foi acusado formalmente de ser herege, e de seguir as doutrinas de Wycliff. Huss tentou expor suas opiniões, mas a algazarra foi tamanha que ele não se podia fazer ouvir. Por fim foi decidido adiar a questão para o dia 7 do mesmo mês.
O processo de Huss durou mais três dias. Repetidamente ele foi acusado de herege. Mas quando foram relacionadas as doutrinas concretas de que supostamente consistia sua heresia, Huss demonstrou que era perfeitamente ortodoxo. Pedro de Ailly assumiu a liderança do julgamento, exigindo que Huss se retratasse de suas heresias. Huss insistia em que nunca tinha crido nas doutrinas de que exigiam que ele se retratasse, e que por isto não podia fazer o que de Ailly requeria dele.
Não havia maneira de resolver o conflito. De Ailly queria que Huss se submetesse ao concílio, cuja autoridade não podia ficar em dúvida. Huss lhe mostrava que o papa que o tinha acusado de desobediência era o mesmo que o concílio acabara de depor. Mostrar suas contradições a um homem supostamente sábio, tido como homem mais ilustre da época, e isto diante de uma grande assembléia, nem sempre é uma atitude sábia. O rancor do seu juiz aumentava cada vez mais. Outros líderes do concílio, entre eles João Gerson, diziam que estava desperdiçando o tempo que deveriam dedicar a questões mais importantes, e que de qualquer forma os hereges não merecem tanta atenção. O imperador se deixou convencer de que ele não precisa guardar sua palavra para com os que não têm fé, e retirou seu salvo-conduto. Quando Huss acabou dizendo que era verdade que ele tinha dito que se não quisesse ter vindo para Constança, nem o imperador nem o rei teriam podido obrigá-lo, seus acusadores viram nisto a prova de que ele era um herege obstinado e orgulhoso – apesar de o nobre boêmio João de Clum, que o defendeu valentemente até o final, ter declarado que o que Huss dissera era verdadeiro, e que tanto ele como muitos outros mais poderosos do que ele teriam protegido Huss se este tivesse decidido não ir ao concílio.
O concílio pedia unicamente que o Huss se submetesse a ele, retratando-se das suas doutrinas. Mas não estava disposto a escutar nem crer no acusado, quanto a quais eram as doutrinas que tinham crido e ensinado na verdade. Uma simples retratação teria bastado. O cardeal Zabarella preparou um documento em que exigia de Huss que se retratasse de seus erros, e aceitasse a autoridade do concílio. O documento estava cuidadosamente redigido, porque seus juízes queriam lhe dar todas as oportunidades para que se retratasse, e assim ganhar a disputa, mas o reformador checo sabia que se se retratasse, com isto estaria condenado todos os seus seguidores, pois se declarasse que suas doutrinas eram aquelas que seus inimigos tinham apresentado, estaria nisto implícito que seus companheiros criam nas mesmas coisas, e que portanto eram hereges.
A resposta de Huss foi firme:
Apelo a Jesus Cristo, o único juiz todo-poderoso e totalmente justo. Em suas mãos eu deponho a minha causa, pois Ele há de julgar cada um não com base em testemunhos falsos e concílios errados, mas na verdade e na justiça.
João Hus na fogueiraPor vários dias o deixaram encarcerado, na esperança de que fraquejasse e se retratasse. Muitos foram lhe pedir que o fizesse, talvez sabendo que sua condenação seria uma mancha indelével para o concílio de Constança. Mas João Huss continuou firme.
Por fim, no dia 6 de julho, ele foi levado para a catedral de Constança. Ali, depois de um sermão sobre a teimosia dos hereges, ele foi vestido de sacerdote e recebeu o cálice, somente para logo em seguida lhe arrebatarem ambos, em sinal de que estava perdendo suas ordens sacerdotais. Depois lhe cortaram o cabelo para estragar a tonsura, fazendo-lhe uma cruz na cabeça. Por último lhe colocaram na cabeça uma coroa de papel decorada com diabinhos, e o enviaram para a fogueira. A caminho do suplício, ele teve de passar por uma pira onde ardiam seus livros.
Mais uma vez lhe pediram que se retratasse, e mais uma vez ele negou com firmeza. Por fim orou, dizendo: "Senhor Jesus, por Ti sofro com paciência esta morte cruel. Rogo-Te que tenhas misericórdia dos meus inimigos". Morreu cantando os salmos.


fonte:e-cristianismo.com.br