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sábado, 28 de setembro de 2013

Um ateu garante: “ateísmo é moda”

O funcionário público Rafael Schroder, 23 anos, por muito tempo frequentou a igreja apenas por causa dos pais, que queriam vê-lo participar da catequese, da eucaristia e da crisma. Apesar disso, ele sempre teve muitas dúvidas sobre a religião, até chegar o momento em que deixou de acreditar até mesmo na existência de Deus.
Nesta entrevista, concedida ao programa “Na Mira da Verdade”, Schroder conta sobre sua trajetória no ateísmo até chegar ao conhecimento de Jesus, e se tornar um membro da Igreja Adventista do Sétimo Dia na cidade Rio Claro, interior de São Paulo.

Na Mira da Verdade: Quando você se tornou ateu?

Schroder: Considerei-me um ateu a partir dos 16 anos de idade, quando me aprofundei na filosofia ateísta e passei a ver Deus como um fruto da fraqueza humana.

Na Mira da Verdade: Quais foram as questões que mais o inquietaram e o levaram ao ateísmo?

Schroder: Eu acreditava demais na ciência. Para mim, a ciência explicava tudo. Eu era e sou até hoje um apaixonado por assuntos astronômicos, gosto das ciências naturais, sempre filosofei muito sobre essas áreas. Enfim, gostava de pesquisar e entender tudo ao nosso redor e não trabalhava com a hipótese de haver um ser superior autor de tudo isso.

Eu tinha pavor de evangélico, pois acreditava serem todos “farinhas do mesmo saco”. Escândalos entre denominações religiosas, supostas aparições de Maria em vidros de janelas, pessoas que viam ou falavam com pessoas já falecidas, aparições de anjos, numerologia… Tudo isso era uma coisa só na minha cabeça e concluí que o ser humano estava chegando cava vez mais no fundo poço. Esses foram alguns fatores que contribuíram para reforçar a base que eu tinha para assumir uma postura ateísta convicta.

Na Mira da Verdade: Por que uma pessoa deixa de acreditar em Deus?

Schroder: Em minha opinião, o que leva uma pessoa a deixar de crer em Deus, além dos fatos que já mencionei, é a falta de conhecimento. Pior do que isso: não querer conhecer. Quem não crê ou não conhece a Deus adora colocá-lo “contra a parede”, e acusá-lo por todos os problemas de sua vida, da sociedade e do mundo, do passado e do presente. Responsabilizam Deus por tudo. O problema de muitos ateus (não a maioria) é ler um ou dois artigos na internet e já tirarem suas conclusões. O famoso “disse que me disse” chega a fazer do ateísmo uma moda. Outra postura que leva à descrença é se preocupar em conhecer apenas um ponto de vista, e não ter humildade para buscar e conhecer os demais. O ateu fica tão endurecido e convicto da sua versão da ideia que, quando vai analisar outro ponto de vista, já vai “armado” para discordar ou rejeitá-lo.
Portanto, o endurecimento, normalmente, é a causa da descrença.

Na Mira da Verdade: Que argumentos são os mais usados pelos ateus para defender a própria visão de mundo?

Schroder: Falar sobre argumentos mais defendidos é difícil. Existem tantos tipos de ateus quanto existem diferentes denominações religiosas. Cada um defende seu ponto de vista de uma maneira diferente, e é difícil encontrar grandes grupos que tenham os mesmos argumentos.
É interessante perceber uma coisa: Quando você encontra pessoas com o mesmo argumento para defender a própria a visão de mundo, normalmente essas ideias já são influenciadas por outra, ou seja: muitos ateus são influenciados por obras de terceiros e não possuem uma conclusão particular. Sempre se baseiam em conclusões já existentes. É por isso que falo que ateísmo, para muitas pessoas, é mais uma moda do que uma decisão profunda do indivíduo.

Na Mira da Verdade: Como passou a acreditar em Deus?

Schroder: Tive experiências que só quem já foi ateu (e hoje acredita) é capaz de entender a intensidade do “choque” que levamos. Mas, o primeiro passo para acreditar em Deus foi tomar a atitude de sair do circulo vicioso dos argumentos para a inexistência dEle, e conhecer outro ponto de vista totalmente oposto, na tentativa de encontrar o porquê de eu não crer na divindade. Penso que isso foi fundamental.
Acredito que a maior parte dos ateus adota exatamente essa postura de “não estar disponível” para reciclar os próprios conceitos. Eles se intitulam ateus, mas nem se quer foram conhecer a Bíblia antes de formarem solidamente a própria opinião. Tecnicamente, isso seria o pré-conceito, ou seja, tiram conclusões de algo
sem o conhecer verdadeiramente.

Na Mira da Verdade: Que argumentos racionais o convenceram que Deus é real?

Schroder: Particularmente, não precisei chegar aos argumentos para me convencer da existência do Criador. As experiências pelas quais passei foram marcantes. Na época que eu era um descrente, se uma pessoa me contasse as mesmas experiências que vivi, eu a chamaria de louca e fanática. Entretanto, para mim, os argumentos da existência de Deus estavam bem “debaixo do meu nariz”, mas, infelizmente, eu sempre havia recusado enxergá-los.

Olhe para o céu e imagine quão grande é o universo e que, mesmo assim, você não chegará “nem perto de ter a noção” do tamanho disso. Há incontáveis galáxias, estrelas, planetas. Em um lugarzinho do espaço, um pequenino planeta como o nosso abriga muitas formas de vida, umas diferentes das outras e, no meio de todo esse infinito, será que nós seríamos os únicos “abençoados” com a capacidade de amar? Para mim, Deus é a razão de toda a existência e tudo o que existe é a prova da existência dEle. Acredito que se não há Deus, então só nos resta o desespero.

Na Mira da Verdade: Conte-nos sobre algumas dessas experiências que o levaram a abandonar o ateísmo.

Schroder: Aconteceram coisas muito fortes comigo, e costumo testemunhar a respeito sempre quando tenho a oportunidade de falar para os amigos que já estão em Cristo. Porém, quando se trata de contar para um ateu, me preocupo como irei falar ou até se testemunharei ou não, pois normalmente o ateu não recebe bem esse tipo de experiência. Antes, quando ouvia sobre histórias sobrenaturais, eu duvidava da pessoa ou simplesmente não atribuía intervenção divina ao fato.
Por causa dessa dificuldade dos ateus em aceitar experiências que não sejam observáveis de maneira natural, não darei todos os detalhes, mas, o farei noutra oportunidade, se as pessoas quiserem saber mais sobre minha história.

Algumas vezes ouvia pessoas que estavam desempregadas e precisavam de um emprego. Elas afirmavam ter orado antes da conquista do emprego. Para mim, aquela pessoa só tinha conseguido emprego porque procurou e porque “quem procura acha.” Outro testemunho que ouvia muito era o de pessoas que estavam enfermas, mas depois de perseverarem em oração, ficaram curadas. Histórias como essas é que não conseguia aceitar, pois acreditava ser aquilo apenas obras de circunstâncias favoráveis à situação. Certamente, a grande maioria dos ateus pensa dessa forma também.
As primeiras boas experiências aconteceram quando comecei a estudar a Bíblia através de vários artigos, com os quais comecei a mudar meus pontos de vista, como por exemplo, a crença que eu tinha de que “se Deus existe, então ele [o Deus da Bíblia] é um psicopata”.


"Inicialmente passei por dificuldades, mas elas acabaram me mostrando a fidelidade de Cristo para comigo. Os obstáculos apenas me fizeram conhecer ainda mais a Deus" (Foto de Rafael Schroder - usada com permissão).
Através de vários materiais esclarecedores que encontrei na internet, acabei descobrindo a razão de milhares de mortes nos tempos bíblicos e que na verdade, psicopatas eram aqueles que foram mortos. Ao conhecer algumas práticas desses povos que foram exterminados, fiquei chocado, por exemplo, com a prática comum de sacrifícios humanos ao deus Baal.

Os sacrifícios ocorriam quando chegavam épocas de estiagem, aquele povo atribuía à ira daquele deus mitológico. Na tentativa de agradá-lo, era comum que as pessoas queimassem vivos os filhos primogênitos. Não eram diferentes os rituais aos deuses Moloque e Mamom. Moloque, por exemplo, era adorado com a chocante prática da prova de fogo (Dt 18:10).

Em tais rituais da “prova de fogo”, recém-nascidos eram passados em brasas e, caso eles não se queimassem, isso era “indício” de que eles tinham sido “aceitos” por Moloque. Se o mais provável acontecesse, tais crianças eram atiradas vivas de penhascos ou mortas ali mesmo, durante o ritual.
Para mim, conhecer a razão da fúria de Deus foi um verdadeiro “tapa na cara”. Sentimentos como esse é que começaram a derrubar as ideias superficiais e sem sentido do ateísmo em mim. Não tive provas da existência de Deus até aquele momento, mas comprovei Sua lealdade e tolerância para conosco.
Tempos depois, enquanto prosseguia nos estudos e conhecia a fundo o que eu não conhecia, fui notando a Bíblia não falava só de Deus, mas também possui um vasto e profundo estudo da natureza humana. Foi por isso que noutro dia, ao comentar o artigo do Prof. Leandro Quadros, intitulado “Nenhum ateu pode ser bom sem Deus”, eu havia afirmado ter me identificado com o conteúdo, pois, em meus estudos, já havia descoberto que o ser humano possui uma Lei Moral intrínseca.
Foram os estudos sobre a nossa natureza, incluindo as orientações dietéticas da Bíblia, que me prenderam, pois tendo gostado muito de tais princípios, comecei a praticá-los, guardá-los e a sentir os bons resultados em minha saúde física e mental.

Porém, a vida não é um mar de rosas. Havia noites que não conseguia dormir direito de tão atribulado que ficava com o dia que passara, e em uma dessas noites, finalmente cedi e fiz a minha primeira oração sincera. Assim como a Bíblia me ensinou, confessei meus erros a Cristo e pedi renovação para meu coração.
Naquela noite fria no mês de junho de 2011, clamei por socorro. Lembro-me que após a oração, senti uma tranquilidade e alívio tão grande como se tivesse desabafado para alguém real, em seguida, me cobri e rapidamente peguei no sono.

Na Mira da Verdade: Você acredita que a fé é algo cego ou existe racionalidade nela?

Schroder: Sobre a fé, eu gostaria que todo ateu pudesse compreender que a fé é um tiro certeiro no escuro. A questão não é “se nós vamos acertar”, mas, se vamos atirar. Se atirarmos, acertamos. Se não atirarmos, esse já é o erro em si.

Na Mira da Verdade: Ao fazer retrospectiva, você consegue afirmar que sua vida ao lado o Deus Invisível, é melhor que antes?

Schroder: Sem dúvidas. Inicialmente passei por dificuldades, mas elas acabaram me mostrando a fidelidade de Cristo para comigo. Os obstáculos apenas me fizeram conhecer ainda mais a Deus. Por isso, não me arrependo de nada e posso garantir a qualquer um que com humildade e coração aberto, poderá viver dias intensos  se apenas deixar que a palavra e o ensino de Deus entrem em seu coração.

Se eu disser que todas as dificuldades acabaram, estaria sendo hipócrita. Até hoje, continuo passando por momentos em que Deus aparentemente se ausenta, mas cada vez que ele “volta”, traz novas e boas experiências… É a caminhada árdua de alguém que procura ser um bom cristão. É gratificante. Para mim, é estranho afirmar se valeu ou não apena, mas digo que o sentimento é como se tivesse voltado para meu confortável e consolador abrigo, que é Cristo. Deus sabe a montanha que tirei das costas por simplesmente ter aceitado essa nova realidade.

Na Mira da Verdade: Que recado você tem para os ateus que estão lendo essa entrevista?
Schroder: Durante minha conversão, estudei a Bíblia por conta própria, com o coração aberto a novas verdades. Quando não cremos, a nossa mente insiste em rebater cada palavra lida, porém, gostaria que cada ateu fosse à Bíblia sem preconceitos e pudesse compreender que a vida é muito mais do que nascer e morrer.

As experiências que vivi me convenceram que existe um Deus. E por que eu tive essas experiências? Tive-as porque fui um ateu que resolveu dar um salto de fé. Deixei entrar no coração tudo o que sempre mantive do lado de fora. Por uma vez, procurei conhecer tudo o que eu não conhecia: Deus. E muito aquilo que conhecia, quando ateu, hoje não reconheço mais como verdade.
Amigo ateu: aconselho que também dê esse salto de fé. Pegue a Bíblia e artigos que a expliquem cientificamente, (que fazem uso das regras de interpretação do texto), e tente compreender a razão de existir dessas escrituras. Procure entender a mensagem central que ela passa para nós e a “moral da história” que ela transmite.

Se tiver dificuldades, saiba que também passei por muitas, assim como vários outros ex-ateus que superaram seus obstáculos. Porém, saiba que não estamos desamparados. Deus oferece inúmeros métodos para conhecê-Lo. Se você está acessando esse blog, saiba que isso já pode ser um passo para ter algum conhecimento sobre a divindade. Meios não faltam para isso. Só o que falta agora é você ter a simplicidade e humildade de vir conhecer da maneira profunda algo que ainda não conhece.

fonte:http://novotempo.com/namiradaverdade/um-ateu-garante-%E2%80%9Cateismo-e-moda%E2%80%9D/

domingo, 22 de setembro de 2013

Os cristãos primitivos chamavam Jesus de "um deus"? - Vitorino, Efraim e Clemente

A posição proeminente da Palavra como Primogênito entre as criaturas de Deus, como aquele por meio de quem Deus criou todas as coisas e como Porta-voz de Deus, oferece uma base real para ele ser classificado como “um deus” ou poderoso – Estudo Perspicaz, Vol.2, pp. 536
É bem verdade que para alguns Jesus deve ser chamado de “um deus”, e que tal ensino reflete o ensino dos cristãos primitivos. Os Testemunhas de Jeová, que se consideram a única religião verdadeira, aquela que protege o ensino dos apóstolos por meio de um grupo de anciãos separados nos fins dos tempos para salvaguardar as escrituras, acreditam que Jesus deva ser chamado de “um deus”.
Essa visão é bem conhecida em sua tradução de João. 1.1: “No princípio era a Palavra, e a Palavra estava com o Deus, e a Palavra era [um] deus”. Como portadores do ensino verdadeiro das escrituras, os Testemunhas de Jeová consideram que ao traduzir desse modo esse texto estão refletindo o ensino dos cristãos primitivos. Mas, será isso verdade?
Será que existem evidências entre os textos dos cristãos primitivos, especialmente aqueles que viveram antes do Concílio de Nicéia, de que Jesus era considerado como um deus? Será que os cristãos primitivos chamavam a Jesus de um deus? Nesse post, veremos três deles: Vitorino, Efraim e Clemente de Antioquia.

A. Vitorino

Vitorino nasceu provavelmente na Grécia (há quem defenda Pettau) em 270 e foi martirizado no período de Diocleciano em 303. Ele foi bispo da cidade de Pettau e por isso é eventualmente reconhecido como Vitorino de Pettau. Em função do seu caráter militar, Vitorino falava grego melhor que latim, mas foi o primeiro Pai da Igreja a realizar exegese no latim. Jerônimo nos diz que Vitorino teria escrito vários comentários bíblico além de livros contra as heresias do seu tempo. Entretanto, todos os seus materiais foram perdidos na história da Igreja e sobreviveram apenas partes das obras sobre Gênesis e Apocalipse.
Interessantemente, Vitorino faz uma citação de Jo.1.1 em cada documento. No documento reconhecido como “Sobre a Criação do Mundo” Vitorino diz:

Mas, o autor de toda a criação é Jesus. Seu nome é o Verbo (…) João, o evangelista diz: ‘No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus’

No oitavo capítulo do quarto livro da obra “Comentário sobre Apocalipse” Vitorino faz uma comparação entre os inícios dos evangelhos e apresenta uma figura que poderia representar cada um deles. Quando fala sobre o quarto evangelho ele diz: “Mas, João, que ele inicia, diz: ‘No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus’”.
Em Vitorino não vemos nenhum comentário elucidativo sobre as implicações desse texto, exceto que chama o Verbo de “nosso Senhor Jesus Cristo” como indicativo de sua divindade. O que se ressalta com Vitorino é que, do que restou do seu material, temos a impressão de que sua leitura e interpretação segue a tradição ortodoxa latina.
Mas, é interessante que em nenhum lugar na obra de Vitorino se pode encontrar alguma citação de que Jesus deva ser chamado de um deus. Na verdade, essa visão só foi realmente encontrada entre os hereges arianos, severamente condenados pelas escrituras.


B. Efraim da Síria

Efraim da Síria é, provavelmente, o único representante da História da Igreja reconhecido como teólogo-poeta. Ele nasceu por volta do ano 306 d.C. na cidade de Nisíbis filho de um líder pagão do deus Abnil ou Abizal. Foi introduzido ao cristianismo pelo Bispo de sua cidade, Tiago (Jacó). Efraim foi batizado por ele com 18 anos e provavelmente tornou-se um filho da aliança, uma forma não usual do proto-monasticismo Sírio. Também foi designado professor e diácono por Tiago. Tornou-se hábil na composição de hinos e na produção de comentários bíblicos. Escreveu muitos hinos de caráter didático, ricos em poesia e fundamentado nas escrituras, além de uma série de Hinos Contra Heresias, que apresenta poeticamente a encarnação do Verbo como Deus-homem. Suas obras foram escritas exclusivamente em Sírio, entretanto as cópias mais antigas desses materiais são encontrados em Grego, Copta, Georgiano e Armênio, sendo que muitas de suas obras são apenas encontrados no último.

Em uma obra intitulada “Sermão da Transfiguração do nosso Senhor, Deus e Salvador, Jesus Cristo”, Efraim defende uma visão ortodoxa da cristologia. Nessa obra ele apresenta claramente o conceito da Trindade: “Pai, o Filho e o Espírito Santo são um em natureza, poder, essência e relacionamento” (v.14); da união hipostática: “Eu confesso o mesmo [que Cristo] é perfeito Deus e perfeito homem, reconhecendo nele duas naturezas unidas hipostaticamente, mas em pessoa, [ele] é indivisível, sem confusão, e imutável” (v.17). Pouco à frente no mesmo documento ele poeticamente atesta: “Ele é ao mesmo tempo, terreno e celeste, temporal e eterno, com início e sem início, atemporal e sujeito ao tempo, nascido e não criado, passível e impassível, Deus e homem, perfeito nos dois, um em dois, dois em um”.

A opinião de Efraim é claramente ortodoxa e não precisaríamos de outras evidências para que isso seja verificado. Por isso não é de estranhar que o fundamento para essas declarações, além daquelas que encontra no relato da transfiguração, esteja em Jo.1.1. Sobre isso ele fala:

Mas os profetas falaram a verdade e seus testemunhos não mentem. O Espírito Santo falou por meio deles o que deveriam escrever. E João o puro também, que reclinou-se no peito do fogo, reforçando a voz dos profetas, falando da parte de Deus no Evangelho, falando conosco diz: ‘No princípio era o verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus, todas as coisas foram feitas por meio dele e sem Ele nada do Que foi feito se fez’. ‘E o verbo se fez carne e habitou entre nós’.

Efraim, seguindo a tradição síria também não encontra no texto de Jo.1.1 a idéia de que existe um outro Deus, ao contrário, para ele Jo.1.1 é a demonstração de que o Verbo é Deus e Efraim o reconhece como Deus filho.

C. Clemente de Alexandria

Nascido em Atenas por volta do ano 150, Clemente de Alexandria é reconhecido como escritor grego e teólogo além de fundador da escola de Teologia de Alexandria. É conhecido por unir, ou tentar unir a filosofia grega com as tradições cristãs. É também lembrado como Professor de Orígenes. Clemente teria morrido por volta de 215d.C.
Clemente de Alexandria cita duas vezes o texto de Jo.1.1 e em ambas a leitura é claramente “καὶ Θεὸς ἦν ὁ Λόγος”. Em sua obra “Exortação aos Pagãos” no primeiro capítulo ele diz:

Você tem as promessas de Deus; você tem Seu Amor: tornou-se participante de Sua Graça. E não suponha que a música da salvação para ser nova como o vaso ou a casa é nova. Pois ‘antes da manhã estrela era’ e ‘no princípio era a Palavra, e a Palavra estava com Deus, e a Palavra era Deus’. O erro parece antigo, mas a verdade uma nova coisa.


A citação aqui é simples, mas como ele entendia a expressão e o Verbo era Deus: “Por que os dois são um – isto é Deus. Por isso ele diz ‘No princípio o Verbo estava em Deus e o Verbo era Deus’” (O Instrutor, Livro I, cap.8). A citação, provavelmente de memória aqui, é uma clara demonstração que para Clemente de Alexandria a leitura falava sobre a identificação do Verbo com o Deus Pai. Essa visão é de tal forma verdadeira que pouco à frente ele conclui que, pelo fato de o Pai ser amor, o Verbo também o é.
Portanto, é evidente que para ele o texto não fala sobre um outro deus à parte do Deus Pai.





sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Astronomia


Albert Einstein

“A coisa mais incompreensível a respeito do
Universo é que ele é compreensível.”
Albert Einstein
M51 (NGC5194)
em Canes Venatici
(distância: 23 ± 4 Milhões de anos-luz)


Vivemos num universo imenso que contém galáxias que se encontram a bilhões de anos-luz de distância. O fato da luz destas galáxias chegar até nós tem sido usado como evidência a favor de um universo com uma idade de aproximadamente 14 bilhões de anos.
As técnicas utilizadas pelos astrônomos para medir distâncias cósmicas poderiam ser questionadas. No entanto, elas são geralmente lógicas e corretas e nãos se baseiam em pressuposições evolucionistas do passado. Além do mais elas fazem parte da ciência observacional, sendo presentemente testáveis e duplicáveis.
Criacionistas ao produzir modelos de uma terra e um universo jovens, com cerca de milhares de anos e não milhões ou bilhões de anos, são, de uma forma geral, criticados por não levar em consideração questões “tão simples” como o tempo de viagem da luz vinda de pontos muito distantes do universo.
Assim sendo, uma breve avaliação sobre o tempo de viagem da luz se faz necessário para a validação dos modelos criacionistas de uma terra e um universo ainda jovens.

As Pressuposições dos Argumentos do Tempo de Viagem da Luz

Qualquer tentativa científica que tente estimar a idade de qualquer coisa envolverá necessariamente um certo número de pressuposições. Estas pressuposições podem estar relacionadas com as condições iniciais, a constância de certas proporções, contaminação do sistema e muitas outras, e, portanto, serem incorretas. Muitas vezes uma cosmovisão errada pode também ser a causa de pressuposições incorretas.
A luz distante das estrelas apresenta várias pressuposições que são questionáveis – nenhuma das quais faz com que necessariamente o argumento esteja errado. 

A Constância da Velocidade da Luz

Assume-se atualmente que a velocidade da luz é constante em função do tempo. Atualmente, no vácuo, ela
“Ultra Deep Field” Galáxias
 (cada ponto de luz é uma galáxia)
demoraria um ano para percorrer aproximadamente 9,5 trilhões de quilômetros.
Se assumirmos que esta velocidade tem sido constante durante toda a existência do universo, poderemos incorrer no erro de acharmos uma idade muito mais antiga para o universo do que a idade real.
Por outro lado, a velocidade da luz não é um parâmetro arbitrário. Em outras palavras, se mudarmos a velocidade da luz, outras coisas também mudariam, como a proporção entre energia e massa de um sistema, e as demais constantes que estão relacionadas com esta velocidade.
Portanto, se for alterada a velocidade da luz, o impacto que isto causaria no universo, na terra e na vida seria algo não imaginável.

A Pressuposição da Rigidez do Tempo

A pressuposição de que o tempo se move de forma constante em todas as condições, obedecendo a uma forma rígida não é verdadeira. Existem maneiras através das quais a nãorigidez do tempo pode permitir que a luz proveniente de pontos muito distantes chegue até nós numa escala de tempo relativamente pequena.
Albert Einstein descobriu que movimento e gravidade afetam a passagem do tempo. Por exemplo, quando um objeto está num movimento muito próximo ao da velocidade da luz, o seu tempo é desacelerado. Isto é chamado de dilatação do intervalo de tempo. O mesmo se dá com a medição do intervalo de tempo entre um relógio posicionado ao nível do mar e um outro numa montanha. O relógio posicionado ao nível do mar, por estar mais próximo da fonte da gravidade, teria também o seu tempo desacelerado.
Portanto, um mesmo evento no passado poderia ter ocorrido num longo período de tempo para um observador, e num curto período de tempo para um outro observador. Por exemplo, a luz das estrelas que demoraria bilhões de anos para chegar até nós (medida por relógios posicionados no espaço profundo – “deep space clocks”) chegaria à Terra em alguns milhares de anos, medida por relógios daqui. Isto ocorreria naturalmente se a Terra estivesse numa cavidade gravitacional (“gravitational well”).
Suponhamos que o sistema solar esteja localizado próximo do centro de um número finito de galáxias. Esta proposta é totalmente consistente com a evidência e, portanto, uma possibilidade perfeitamente rasoável.
Neste caso, a Terra estaria localizada nesta cavidade gravitacional. Isto significa que muita energia teria que ser utilizada para levar algo para uma posição distante desse centro. Nessa cavidade gravitacional, nós não sentiríamos nenhum efeito gravitacional anormal, mas os nossos relógios estariam desacelerados (muito mais lentos) quanto comparados com os relógios posicionados em outros pontos distantes.
Sendo que a expansão do universo é aceita pela maioria dos astrônomos atuais, o universo teria sido menor no passado, fazendo com que a diferença entra os relógios na terra apresentassem uma desaceleração quando comparados com relógios em pontos distantes do universo. Assim sendo, a luz proveniente de galáxias distantes teria chegado até a terra em apenas alguns poucos milhares de anos, quando medida por relógios na terra, em comparação com bilhões de anos, quando medida por relógios distantes da terra.

A Pressuposição de Sincronização 

Uma outra maneira pela qual a relatividade do tempo é importante, é a sincronização: como fazer com que relógios mostrem o mesmo tempo e ao mesmo tempo. A teoria da relatividade tem mostrado que tal sincronização não é absoluta. Por exemplo, um observador num plano de referência poderia ver dois relógios sincronizados ao passo que um outro observador, num plano de referência diferente, não os veria sincronizados. Portanto, quando se trata de sincronização de relógios separados por uma distância qualquer (pequena ou quase infinita), não existe um método pelo qual tal sincronização possa ser feita no sentido absoluto, de tal maneira que todos os observadores iriam concordar, independente do movimento.
Um exemplo simples seria um avião levantando voo às 14:00 hrs e pousando precisamente às 14:00 hrs. Sendo que o avião aterrisou no mesmo tempo em que levantou vôo, esta viagem seria instantânea. Como seria possível? A resposta está no fuso horário. Imagine um avião partindo de Brasília às 14:00 hrs (horário local) e chegando em Cuiabá às 14:00 hrs (horário local). A hora marcada em Cuiabá é uma a menos que a de Brasília (consideramos que o avião voa rápido o suficiente para percorrer a distância em uma hora). Para um passageiro a viagem teria demorado uma hora (tempo universal), mas para um observador em Cuiabá, o avião teria chegado na mesma hora em que partiu (tempo local).
Existe um equivalente cósmico entre o tempo local e o tempo universal. Luz viajando em direção à Terra é equivalente a um avião viajando no sentido oeste (Brasília a Cuiabá), O tempo local permaneceria sempre o mesmo. Se usarmos o tempo cósmico universal, a luz levaria 100 anos para percorrer 100 anos-luz.
De acordo com a teoria da relatividade de Einstein, a luz não experimenta a passagem do tempo, sendo a sua viagem instantânea. Portanto, luz vinda da extremidade do universo chegaria instantaneamente aqui ao passo que nós acharíamos que ela teria levado bilhões de anos.

O Tempo de Viagem da Luz: Um Argumento que Refuta a Si Mesmo

A própria teoria do big bang possui um problema seríssimo com a questão do tempo de viagem da luz. De acordo com este modelo, a luz teria que percorrer uma distância muito acima da que lhe é permitida, dentro de um período de 14 bilhões de anos (idade do universo proposta pela teoria do big bang). Esta dificuldade é conhecida como o “problema do horizonte”.
De acordo com a teoria do big bang, quando o universo era ainda bastante jovem e muito pequeno, ele desenvolveu pequenas diferenças locais de temperaturas (sem isso corpos celestes como estrelas e galáxias não poderiam ter se formado). Vamos assumir teoricamente que neste início de universo haveria, portanto, dois pontos: A (quente) e B (frio). Hoje, bilhões de anos depois deste período, o universo expandiu de tal forma que os pontos A e B estão muito distantes um do outro. No entanto, temos visto por meio da radiação de fundo (Cosmic Background Radiation) que a temperatura, mesmo a distâncias imensas, é praticamente a mesma: 2,7 K (270°C negativos). Isto significa que os pontos A e B possuem a mesma temperatura hoje. Mas isso somente seria possível se eles tivessem trocado energia. E a maneira mais rápida de trocar energia é através de radiação eletro-magnética. No entanto, essa troca teria que ter ocorrido multiplas vezes durante a existência do universo para que um equilíbrio térmico fosso atingido (como obervado através da temperatura uniforme da radiação de fundo). Dado o tamanho do universo – a distância e a quantidade de vezes entre dois pontos que a luz teria que ter percorrido durante os supostos 14 bilhões de anos – a velocidade da luz não teria sido sufic ente para que tal temperatura uniforme existisse.
Uma solução proposta para a teoria do big bang é o que se chama de período inflacionário. O universo no seu início teria expandido dentro dos limites conhecidos pela ciência. Em seguida ele teria entrado num período inflacionário, através do qual teria chegado às dimensões atuais. Esta proposta não possui nenhuma evidência, não sendo nada mais que uma pura conjectura. (Não existe nenhuma evidência do que poderia ter dado início a esse período e muito menos o que teria feito com que ele chegasse ao fim de forma suave para manter intacta a estrutura observada no universo atualmente.)

Conclusão

Assim sendo, o problema do tempo de viagem da luz permanece uma questão aberta para a discussão científica. Aceitar uma idade antiga para o universo (teoria do big bang), apenas porque a luz de corpos celestes localizados a bilhões de anos-luz tem chegado até nós, é uma questão de preferência por um modelo de idade antiga por um outro modelo de idade rescente. Esta preferência não se dá por méritos científicos mas sim por pressuposições e posicionamento filosófico pessoal de cada cientista ou pesquisador.

Referências 

Mais sobre este assunto pode ser encontrado no artigo escrito por Jason Lisle
http://www.answersingenesis.org/articles/nab/does-starlight-prove

fonte: Universo Criacionista

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Perfeccionismo e Hamartologia

A doutrina do pecado (Hamartologia) é talvez o aspecto mais importante e mais desafiador para uma compreensão coerente da doutrina da perfeição humana no adventismo, pois a doutrina do pecado contém em si mesma as revelações mais impactantes e potencialmente complexas com que precisamos lidar ao tratarmos com essa intrigante questão. É exatamente o pecado que nos torna imperfeitos, e que nos faz precisar de um salvador que nos perdoe (Lc 7:48-49; Cl 2:13; Tg 5:15), que nos purifique (Pv 20:9; 1 Jo 1:9), que nos dê forças para vencermos os pecados (Pv 28:13; Rm 6:1-2; 1 Ts 5:24; 1 Pe 4:1), e que nos conduza para além do poder e da presença do pecado para sempre (1 Co 15:50-56), pois é absolutamente claro nas Escrituras que nós não podemos fazer nenhuma dessas coisas em nosso próprio benefício (Jo 15:5).
Entretanto, ainda permanece a necessidade de encararmos algumas das dimensões da natureza do pecado contidas na revelação para que sejamos capazes de vislumbrar respostas sobre a relação da hamartologia com a doutrina da perfeição humana e adiante com o conceito de perfeccionismo.
Podemos perseguir duas linhas distintas de evidências sobre a natureza e manifestação do pecado na vida humana que não se contradizem, antes se complementam, mas que tem o potencial de tornar esse assunto um pouco confuso para alguns estudantes da Bíblia e dos escritos de Ellen White, são elas: 1) A dimensão essencial; e 2) A dimensão relacional.

1. A dimensão essencial do conceito de pecado

A Bíblia introduz a história do pecado na humanidade em Gn 3, com a história da queda de nossos primeiros pais. Até então o casal no Éden era absolutamente perfeito dentro dos limites da natureza humana criada por Deus à sua imagem e semelhança (Gn 1:26-28, 31), mas deve-se notar que “a primeira consequência do pecado foi a alteração da natureza humana” (NISTO CREMOS, p. 112).
Essa alteração nos conduz à dimensão essencial da presença do “pecado” na própria natureza da humanidade, e não apenas em seus comportamentos ou relacionamentos. É a partir dessa perspectiva que a revelação compreende o ser humano como “concebido em pecado” (Sl 51:5), e envolvido em “transgressão” de forma ativa, ainda que misteriosa, desde sua gestação (Is 48:8), e/ou “logo” após sua concepção ou nascimento (Sl 58:3), sendo, dessa forma, que o homem é “inimigo de Deus por natureza” (Ef 2:3, itálicos supridos). É por causa dessas realidades que podemos afirmar que o ser humano não apenas comete pecado (dimensão relacional), mas é pecador (dimensão essencial), conforme lemos em Lucas 5:8; 13:2-3; 18:13; Romanos 5:8; Gálatas 2:17; e Tiago 4:8. A complexidade desse conceito demonstra ser ainda mais profunda quando vemos o pecado se alastrando na humanidade dentro de uma estrutura claramente hereditária, uma vez que os “muitos” seres humanos de Rm 5:19 (leia-se todos, exceto Cristo, cf. Rm 3:23; Hb 4:15) se tornaram pecadores não primariamente por causa de seus próprios pecados, mas pela desobediência de um só, Adão.

Tal realidade tem sido objeto de efervescente interesse e disputa hermenêutica ao longo dos séculos da era cristã, mas na atualidade as pressuposições e conclusões advindas de Rm 5:19 (no contexto imediato de Rm 5:12-21) parecem terem sido relegadas a um segundo plano na consciência cristã de forma geral, e também na consciência cristã adventista, resultando no fato de que “a decadência da doutrina do pecado hereditário [dimensão essencial] levou ao deslocamento e, em última análise, à redução do conceito de pecado a pecados atuais.” (PANNENBERG, 2009, v. 2, p. 340, itálicos supridos).

As maiores dificuldades com a compreensão e aceitação do pecado em termos essenciais na natureza humana surgem de noções simplistas sobre a justiça e a bondade amorosa e perdoadora de Deus. Seria o pecado de Adão, aparentemente tão insignificante e infantil para a mentalidade de alguns, motivo suficiente para justificar as terríveis consequências naturais e espirituais que se abateram sobre seus descendentes? Em um senso de justiça particular e, considerando-se apenas a lógica humana, a resposta de muitos é: não! Entretanto, tal conclusão surge como manifestação de dúvida sobre a confiabilidade das próprias afirmações contidas na Palavra de Deus, e isso, geralmente, da parte de um ser humano que deseja questionar e julgar o próprio Deus (cf. Rm 9:20). Aqueles, entretanto, que pela fé compreendem terem sido incluídos na oração de Cristo registrada em João 17:17, se submetem ao que a Bíblia diz e buscam lhe compreender em seus próprios termos.

A afirmação bíblica específica sobre a hereditariedade do pecado em Rm 5:19, dentro do contexto de Romanos 5:12-21, por sua vez, já gerou muitas tentativas de interpretação para se resolver “o problema,” como, por exemplo, a explicação católica romana, defendida no concílio de Trento, de que o pecado original é “próprio” a cada descendente de Adão individualmente (CATECISMO, p. 115), no sentido de que, de alguma forma, todos teriam pecado “em Adão.”

Entretanto, Rodríguez (2012) nos diz que
Argumentar que quando Adão pecou nós todos pecamos por que nós estávamos nele é introduzir na bíblia um mal entendimento sobre a natureza humana. Implícita na afirmação que estávamos em Adão está a ideia de que nós somos pré-existentes em relação ao nosso nascimento natural, e que, portanto, nós somos responsáveis pelo pecado de Adão. (...) Ao insistir que nós estávamos em Adão quando este pecou, estamos ensinando, não intencionalmente, que nós somos responsáveis por ações cometidas por nós mesmos fora de nossa presente forma física, mas de alguma forma, dentro do corpo de Adão. Aqueles que promovem essa visão não estão usando essa linguagem de forma metafórica, pois de acordo com eles nós pecamos de fato, nos tornamos pecadores, no pecado de Adão. Uma vez que somente as próprias pessoas são responsáveis por suas ações, portanto, nós tínhamos que existir em alguma forma quando Adão pecou para que sejamos responsabilizados pelo pecado dele. Mas tais ideias são estranhas a Romanos 5:12-21. Precisamos reconhecer, contudo, que o pecado de Adão teve impacto universal, e é exatamente isso que Paulo está argumentando. Nós todos somos pecadores, nós todos estamos separados de Deus por causa do pecado de Adão.

Paulo explica o que ele quer dizer ao afirmar que quando Adão pecou, o pecado e a morte entraram no mundo. Certamente o pecado de Adão não é o nosso pecado, mas ele tornou impossível para qualquer ser humano não pecar, pois a morte, como um poder universal, veio ao mundo como resultado do pecado de Adão, e isso inclui a morte espiritual e física. Estamos separados de Deus como uma raça cuja natureza não tem poder para resistir ao poder do pecado. Nossa condição pecaminosa foi seguida de atos pecaminosos por que nós estávamos espiritualmente mortos. (...) Nós somos pecadores não por que quando Adão pecou, nós que alegadamente estávamos nele, pecamos, mas por que viemos debaixo do poder da morte, separados de Deus, o que tornou o pecado inevitável para nós.

Dentro dessa discussão é importante relembrar que a morte fora designada inequivocamente como o quinhão da transgressão humana (Gn 2:16-17), e que ela haveria de envolver a humanidade em todas as suas dimensões, tanto físicas (morte natural), como espirituais (morte espiritual) conforme implicam claramente os textos de Romanos 6:23 e Efésios 2:1. Portanto, concluímos pela Palavra de Deus que através da transgressão dos nossos primeiros pais o pecado se tornou uma realidade que escravizou toda a humanidade (Rm 7:14-25).

Em toda a experiência humana com o pecado, entretanto, o Senhor não deixou de manifestar a disposição de ser misericordioso, apesar da culpa de Adão, e das culpas individuais de todos os seus filhos (adquiridas com a experiência própria de pecado da parte de cada ser humano, desde o ventre de suas mães conforme Sl 51:5; 58:3; e Is 48:8), o que moveu a Deus a nos salvar dos nossos pecados por causa do grande amor com que nos amou (Mt 1:21; Tt 3:5).

O entendimento bíblico da IASD corrobora inequivocamente a dimensão essencial do pecado na natureza humana, dentro de uma estrutura hereditária de propagação e abrangente em manifestação, o que podemos verificar nas seguintes afirmações: “A natureza humana pode ser descrita como corrupta, depravada e inteiramente pecaminosa.” (NISTO CREMOS, p. 115); “A história revela que os descendentes de Adão compartilham da pecaminosidade de sua natureza.” (NISTO CREMOS, p. 115); “A corrupção do coração humano afeta a pessoa em sua totalidade” (NISTO CREMOS, p. 116); “Já herdamos nossa pecaminosidade básica” (NISTO CREMOS, p. 116); “A universal pecaminosidade da raça humana constitui evidência de que, por natureza, tendemos ao mal, e não ao bem” (NISTO CREMOS, p. 116); “Não nos é possível herdar a vontade originalmente não pervertida que [Adão e Eva] perderam quando falharam na grande prova” (CAIRUS, 2001, p. 244); “O pecado não se restringe a atos individuais, mas é retratado como um estado de ser” (FOWLER, 2001, p. 277); “Uma natureza corrupta e pecadora produz atos pecaminosos.” (FOWLER, 2001, p. 277); “Os seres humanos não são pecadores porque cometem pecado; pecam porque são pecadores” (FOWLER, 2001, p. 278).

White compartilha de conceitos muito similares a estes, como podemos perceber nos seguintes textos: “Somos pecaminosos, e incapazes por nós próprios de praticar as palavras de Cristo.” (1986b, p. 47) “Em resultado da desobediência de Adão, todo ser humano é transgressor da lei, vendido sob o pecado.” (1967, p. 146); “Adão caiu sob o domínio de Satanás. Introduziu no mundo o pecado e, pelo pecado, a morte.” (1985b, p. 69); “Adão desobedeceu e transmitiu o pecado a sua posteridade.” (1980a, p. 316); “[um] único pecado trouxe ao mundo a morte e nossas desgraças todas.” (1997a, p. 150). “O homem não podia servir de expiação pelo homem. Sua condição pecaminosa e decaída faria dele uma oferta imperfeita.” (1992, p. 24); “Declarou-se-lhes [a Adão e Eva], porém, que sua natureza ficara depravada pelo pecado.” (1997b, p. 61); “Em nós mesmos somos pecadores.” (1985c, p. 394);

Em três sentenças maiores White afirma:
“Mas pela desobediência, suas faculdades [da humanidade] foram pervertidas, e o egoísmo tomou o lugar do amor. Sua natureza tornou-se tão enfraquecida pela transgressão que lhe era impossível, em sua própria força, resistir ao poder do mal.” (1994, p. 17);
“A lei de Deus é santa como Ele próprio é santo, perfeita como Ele é perfeito. Ela apresenta aos homens a justiça de Deus. Impossível é ao homem, de si mesmo, guardar essa lei; pois a natureza do homem é depravada, deformada, e inteiramente diversa do caráter de Deus.” (1988a, p. 54);

“Era possível a Adão, antes da queda, formar um caráter justo pela obediência à lei de Deus. Mas deixou de o fazer e, devido ao seu pecado, nossa natureza se acha decaída, e não podemos tornar-nos justos. Visto como somos pecaminosos, profanos, não podemos obedecer perfeitamente a uma lei santa.” (1994, p. 62);

A insubmissão a qualquer uma dessas verdades afetará radicalmente a compreensão da doutrina da perfeição cristã. Isso acontece porque tal doutrina só pode ser avaliada corretamente sob o pano de fundo da doutrina do pecado, com todas as implicações radicais que advém de sua manifestação dominante e escravizadora sobre a condição humana de forma universal, após a queda.

Mas a insubmissão diante das características e implicações da dimensão essencial do pecado na humanidade constrói um dos alicerces da heresia perfeccionista, que só consegue sobreviver negando direta ou indiretamente as verdades bíblicas, e dos escritos de Ellen White, sobre a facticidade e força da dimensão essencial do pecado na própria natureza humana. Por isso fazemos bem em atentar para as conclusões de Warfield (1958, p. xi) de que “O perfeccionismo defende uma noção inadequada de pecado. O perfeccionismo é impossível na presença de uma noção profunda de pecado.”

Desta forma podemos perceber que o perfeccionismo está destinado a forçosamente abrandar o conceito de pecado, e ele faz exatamente isso ao tornar-se seletivo para com as fontes das quais retira sua interpretação (Bíblia e escritos de Ellen White), ora mal interpretando a evidência ou simplesmente deixando de fora as ênfases que em última instância negam seus fundamentos, pressuposições e suas conclusões.

2) A dimensão relacional do conceito de pecado

A ênfase mais destacada no conceito de pecado, entretanto, se refere à presença de alguma espécie de mal na dimensão relacional do ser humano para com Deus, e para com seu próximo (Mt 12:30-31). É dentro dessa dimensão que estão contidas as noções mais comuns de pecado como: “transgressão da lei” de Deus (1 Jo 3:4); “tudo que não provém da fé” (Rm 14:23); Tudo que destrói o ser humano/a igreja em qualquer sentido ou dimensão (1 Co 3:16-17); não fazer o que alguém sabe que “deve fazer” (Tg 4:17); mau uso da liberdade humana em direção à desobediência (Is 65:12; 66:3).

É importante notar também que a noção de pecado aqui inclui, não apenas comportamentos de transgressão, mas invade o próprio mundo dos pensamentos e das intenções do “coração” humano, antes de se manifestar exteriormente (Mt 5:28; 15:19; Mc 7:21). Faz-se necessário acentuar, também, que a reminiscência factual de certa dimensão do pecado na vida dos próprios cristãos (Rm 5:8; 1 Jo 1:8, 10; Tg 3:2; cf. Ec 7:20), não justificam ou fazem do pecado, no sentido agora discutido, algo mais forte do que o poder da graça de Deus em livrar o homem de pecar já em sua experiência presente (cf. Rm 5:20; 6:1-2, 11, 14, 18, 22; 1 Jo 3:6-9).

A complexidade do conceito de pecado, entretanto, não deixa de estar presente quando analisamos detidamente algumas implicações da dimensão relacional de sua natureza e manifestação na vida humana.

Uma vez que o pecado pode ser descrito como “transgressão da lei” de Deus (1 jo 3:4), se torna importante notar que, por outro lado, o “cumprimento da lei” é o amor (Rm 13:10). O amor verdadeiro é descrito em 1 Cor 13 como uma disposição de vida, em termos de seus sentimentos, emoções, razões, motivações, atitudes e relacionamentos que envolvem a manifestação de características inegociáveis como: paciência, bondade; e ausência de: ciúmes, soberba, maus comportamentos, egoísmo, exasperação e alegria por injustiças. É dito também que o amor se regozija com a verdade, não se ufana, além de tudo sofrer, crer, esperar e suportar, sendo que o verdadeiro amor jamais acaba. É dentro desse contexto que podemos, portanto, avaliar corretamente o que é o pecado (a transgressão da lei de Deus, cujo cumprimento é o amor), e o que se deve esperar de quem se torna vitorioso contra ele pela graça de Deus em Jesus Cristo.

É dentro dessa estrutura de pensamento que somos capazes de melhor apreciar e entender as exortações cristãs em direção ao amor como marca identificadora da comunidade que recebeu a salvação que Jesus Cristo veio trazer, manifesta na forma de vitória sobre o pecado, desde já, em certo sentido (Rm 6:22). O próprio Cristo disse: “Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos: se tiverdes amor uns aos outros” (Jo 13:35) e Paulo, por sua vez, afirma que “quem ama o próximo tem cumprido a lei.”(Rm 13:8). Essa é uma parte essencial da mensagem cristã (cf. 1 Co 16:14; Ef 3:17; Cl 1:4, 8; 1 Ts 1:3; 1 Pe 1:22; 1 Jo 2:10; 3:14; 4:7, 20-21).

Nessa direção devemos ainda estabelecer dois pontos importantes. O primeiro ponto é que ninguém deve pregar a “perfeição cristã” desassociada do fato de que qualquer falha em amar a Deus ou em amar a qualquer ser humano de forma perfeita e incondicional, constitui pecado: transgressão da lei de Deus. Mesmo que tal falha em amar se dê no mínimo grau/sentido (seja em intenções, pensamentos, palavras ou atitudes), e mesmo que tal transgressão ocorra pelo menor espaço de tempo possível ou sob qualquer circunstância da vida humana nesta terra. O segundo ponto é que mesmo a facticidade do amor a Deus e às pessoas não coloca o ser humano que ama acima da experiência do pecado em todo e qualquer sentido [especialmente na dimensão essencial], pois ele continua a ser exortado a crescer diante do padrão do próprio amor que ele já manifesta pela graça de Deus (Fp 1:9; 1 Ts 3:12; 2 Ts 1:3; 2 Pe 1:3-8), o que implica que, apesar de amar de forma reconhecidamente real, ele ainda é imperfeito diante das dimensões mais radicais do amor perfeito e incondicional, e por causa disso, continua sendo reputado como pecador, mesmo “cumprindo a lei” (Rm 13:8; cf. Ap 12:17; 14:12). Essa é a realidade paradoxal que confunde muitos cristãos, mas com base na Palavra de Deus é possível afirmar que existem pessoas que são fiéis à lei de Deus, mas que nem por isso deixaram de ser pecadoras!
A partir das ênfases relacionais do conceito de pecado surge a compreensão adventista de que em certo sentido: Pecado é também “um ato individual, uma falta de conformidade com a lei de Deus” (FOWLER, 2001, p. 282); “O pecado é um mal moral - o resultado de um agente moral livre que decide violar a vontade revelada de Deus” (NISTO CREMOS, p. 113). “Qualquer desvio da conhecida vontade de Deus, quer seja por negligência em fazer aquilo que Ele ordena seja feito, que seja por fazer aquilo que Ele proíbe especificamente” é pecado (HORN, 1979, verbete: Pecado).


Fowler ainda nos relembra que:

“O pecado não é apenas um ato e um princípio, mas é também um poder escravizador. (...) [e] os atos pecaminosos são apenas expressões externas e visíveis de uma doença que acometeu nossas emoções, pensamentos, vontade, e poder para agir” (2011, p. 281). 
“O pecado é um caminho mau que o ser humano escolhe por livre e espontânea vontade. Não se trata de uma fraqueza pela qual os seres humanos não podem ser responsabilizados, pois o ser humano na atitude ou no ato de pecar, escolhe deliberadamente um caminho de rebelião contra Deus, de transgressão de sua lei, e deixa de ouvir a Palavra de Deus. Pecado é tentar ultrapassar os limites estabelecidos por Deus” (2011, p. 269-270).

White também compreende a natureza do pecado respeitando todas essas dimensões quando afirma: “Nenhum homem é forçado a transgredir. Seu próprio consentimento deve ser inicialmente vencido.” (2004, p. 177); “Obediência a Deus é liberdade do cativeiro do pecado, livramento da paixão e impulso humanos.” (1967, p. 259); “Jesus morreu para salvar o Seu povo dos pecados deles, e redenção em Cristo significa cessar a transgressão da lei de Deus e estar livre de todo pecado” (1985a, p. 95); “O pecado é a desobediência à expressa vontade de Deus, uma negação virtual de Deus, uma recusa às leis de Seu governo.” (NICHOL, 1978, v. 1, p. 1083); “O amor a Deus e ao próximo é a própria essência de nossa religião” (1985c, p. 337). “O inimigo sabe muito bem que se não tivermos amor uns para com os outros, ele poderá alcançar seu objetivo.” (1980a, p. 165).
Em outras três citações, em vista da dimensão relacional do conceito de pecado, White expõe que:

“Ninguém deve se enganar com a crença de que pode tornar-se santo enquanto voluntariamente transgride um dos mandamentos de Deus. O cometer o pecado conhecido faz silenciar a voz testemunhadora do Espírito e separa a alma de Deus. Pecado é a transgressão da lei.” (2001a, p. 472); 

“Nossa única definição de pecado é a que é dada na Palavra de Deus; é: ‘transgressão da lei’; o pecado é a operação de um princípio em conflito com a grande lei do amor, que é o fundamento do governo divino.” (2001a, p. 493);

“A tentação mais forte não pode desculpar o pecado. Por maior que seja a pressão exercida sobre a alma, a transgressão é o nosso próprio ato. Não está no poder da Terra nem do inferno compelir alguém a fazer o mal. Satanás ataca-nos em nossos pontos fracos, mas não é o caso de sermos vencidos.” (1997b, p. 421);

A dimensão relacional do conceito de pecado causa menos problemas filosóficos e teológicos do que alguns aspectos da dimensão essencial (ver: PANNENGERG, 2009, v. 2, p. 335-396; BULTMANN, 2008, p. 310-315), mas ela também coloca diante de nós uma realidade ampla, muitas vezes paradoxal e complexa com a qual precisamos lidar com sabedoria a fim de entendermos o que se espera de nós diante dos fatos. Ao nos determos nesse assunto vamos descobrir que Deus exige de nós inicialmente somente sinceridade para com a própria realidade do pecado pessoal que cada um carrega em si como resultado de sua desobediência à Palavra do Senhor (Jr 3:13). Adiante, aquele que assim o faz, com arrependimento e com uma atitude de abandono de seu pecado em tudo que lhe for possível, alcançará perdão e purificação misericordiosa de todo pecado (Pv 28:13; Mt 12:31; 1 Jo 1:9), entretanto, ainda soa o alarme: mesmo o cristão mais fiel e vitorioso não pode declarar estar livre de pecado em todo e qualquer sentido do termo sob a pena de ser desmascarado como mentiroso e fazer a Deus também mentiroso (1 Jo 1:8, 10).

As dimensões do conceito de pecado expostos aqui, nem de longe esgotam as questões da hamartiologia, mas já se demonstram razões claras e suficientes para a conclusão de que não podemos tratar o conceito de pecado como se referindo somente aos desvios puramente voluntários e comportamentais dos seres humanos (cf. Rm 7:20). É fato que todos os homens estão envolvidos em uma trama complexa de relações espirituais com as forças do bem e com as forças do mal desde sua concepção, gestação e nascimento, e que isso conduz a discussão sobre o conceito de pecado ao próprio âmago da natureza humana. Todos os homens carregam em si tendências pecaminosas e uma natureza corrompida, a priori, fato que não justifica (no sentido de tornar justo) nenhum pecado, mas explica a existência de todos os pecados que nos geram culpa, sofrimento e morte. Deus, todavia, respondeu ao pecado (em todo e qualquer sentido) com uma redenção salvífica suficiente para nos livrar de todo o pecado por toda a eternidade (Rm 3:23-24; Hb 9:12).



Mestre em teologia - Pr. Ezequiel Gomes - IASD

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Celso e a Historicidade de Cristo

Celso foi um filósofo grego neoplatonista opositor do Cristianismo do segundo século que escreveu seu principal ataque pouco depois de Luciano ter escritoThe death of Pelegrinus. O seu trabalho ficou conhecido como o primeiro escrito, dentre os que conhecemos hoje, que ataca o cristianismo: The True Word. Sua principal tese é demonstrar que Jesus Cristo não era de Deus, mas em nenhum momento Celso atacou a historicidade de Cristo.
Seu trabalho foi preservado pelo trabalho de Orígenes o teólogo alexandrino que dedicou-se à exaustão a responder as indagações de Celso, o anti-cristão. O livro é chamado Contra Celsum e é a única referência que temos sobre sua pessoa, e além disso quase nada sabe-se sobre sua vida pessoal. O que se infere de sua obra é que Celso era bem informado sobre o cristianismo do segundo século que florescia em Alexandria e Roma, que era interessado em antigas religiões do Egito e parecia familiar com a doutrina judaica do Logos, o que sugere que sua obra tenha sido escrito em Alexandria.
Antes de aprofundarmos nas declarações de Celso, que são numerosas e variadas, é importante que apresentar dois fatos relacionados a esse personagem:
  1. Em quase todos os casos apresentados até aqui os críticos apresentem ocasiões em que sugerem uma interpolação cristão tardia, isso não acontece (nem poderia) acontecer com as afirmações de Celso. O nível de ataque e de hostilidade para com Cristo e os cristãos impossibilita que se trate de um material adulterado por um cristão.
  2. Outra situação que parece recorrente é a ideia de que autores antigos tenham cristãos como fontes, mas esse não é o caso com Celso também, até por que seu escrito supõe um diálogo com um judeu crítico, o que nos sugere que suas fontes não seriam cristãos, mas possivelmente judaicas.
Vale a pena lembrar que o texto de Celso foi preservado em Orígenes um autor cristão, e parece absurdo supor que Orígenes tenha se dado ao trabalho de adulterar o livro que pretende responder. Robert Voorst, de modo geral, apresenta o modo como Celso apresenta a Jesus Cristo no seu livro do seguinte modo:
“Celso monta um amplo ataque a Jesus como o fundado da fé. Ele ignora ou melhor, denigre os ancestrais de Cristo, sua concepção, nascimento, infância, ministério, morte, ressurreição e sua influência continuada. De acordo com Celso, os ancestrais de Jesus vinham de uma vila judaica (Against Celsos, 1.28), e sua mãe era uma pobre menina do campo que ganhava a vida como costureira (1.28). Ele realizou seus milagres por magia (1.28; 2.32; 2.49; 8.41). Ele era fisicamente feio e pequeno (6.75). Até onde tinha conhecimento, Jesus guardava todos os costumes judaicos, incluindo o sacrifício no tempo (2.6). Ele reuniu apenas dez seguidores e os ensinou seus terríveis hábitos, incluindo mendigar e roubar (1.62; 2.44). Esses seguidores, formados por dez marinheiros e coletores de impostos, foram os únicos que ele convenceu de sua divindade, mas agora seus seguidores convenceram multidões (2.46). A notícia de sua ressurreição veio de uma mulher histérica, e a crença na ressurreição de Cristo proveio da magia de Jesus, do pensamento positivo dos seus seguidores, ou alucinação em massa, tudo com o propósito de impressionar outros e aumentar a chance de que outros se tornem pedintes (2.55)” (VOORST, Robert E. Jesus outside the New Testament: na introduction to the anciente evidence, Eedermnans, 2000, pp.66)
O resumo apresentado por Voorst provém de diversas citações diretas de Celso preservadas por Orígenes, e como pode notar-se, parece tolo que alguém se dedicasse tanto para provar a tolice do ensino de outrem se este mesmo não existisse. Como nossa intenção não é reescrever uma crítica às proposições de Celso, mas de apresentar a historicidade de Cristo atestada por seu criticismo, vamos apenas citar algumas de suas acusações.
Sobre o nascimento, vida e milagres de Cristo:
“Ele [Celso] o [Jesus] acusa de ‘inventar seu nascimento de uma virgem’ e o censura como sendo ‘nascido em uma determinada vila judaica, de uma mulher pobre de seu país, que ganhava a vida como costureira, e que foi expulsa de casa por seu marido, um carpinteiro por profissão, por que ela fora condenada por adultério; após ter sido expulsa por seu marido, e vagueando por uns tempos, ela desgraçadamente deu a luz a Jesus, um filho ilegítimo, que fora empregado como serviçal no Egito em função de sua pobreza, e tendo aí adquirido alguns poderes mágicos, nos quais os egípcios tanto se orgulham, e [então] retornou ao seu país, sendo exaltado por conta deles, e por meio deles se proclamou como um deus” (Origens, Contra Celsum, 1.28; IN: ROBERTS, Alexander, DONALDSON, James, Ante-Nicene Fathers, VOL 4, pp.408)
O retrato que Celso apresenta de Cristo está longe de ser fictício, opção que ele poderia apresentar, entretanto, o que ele faz é apresentar sua versão sobre a situação do nascimento de Cristo por rejeição do conceito do nascimento virginal. A proposta alternativa para o nascimento de Cristo, como um caso extraconjugal de Maria, parece-se muito com um relato já conhecido no Talmud Judeu, como veremos a frente. Essa indicação favorece a ideia de que não apenas suas fontes eram não cristãs, como sua preferência para explicar aquilo que odiava era cínica, crítica e desprezível, do ponto de vista da história do evangelho. Entretanto, isso prova a existência de Cristo como figura histórica e não mitológica.
Sobre a encarnação de Cristo:
“’E mais uma vez’ diz ele [Celso] ‘vamos retomar o assunto desde o início, com uma gama maior de provas. Eu não faço nenhuma afirmação nova, mas digo o que já está definido a muito tempo. Deus é bom, belo, abençoado, e isso no melhor e mais belo patamar. Mas, sele desceu entre os homens, ele deve ter sofrido uma mudança, e uma mudança de bom para o mal, de virtude para o vício, da felicidade para à miséria, de melhor para pior. Quem, então, faria a escolha de tal mudança? É da natureza mortal, de fato, sofrer alteração e transformação, mas a natureza de um imortal permanece a mesma, inalterada. Deus, não pode admitir uma mudança como essa” (Origens, Contra Celsum, 1.28; IN: ROBERTS, Alexander, DONALDSON, James, Ante-Nicene Fathers, VOL 4, pp.502)
Celso manifesta um conhecimento, ainda que elementar da doutrina cristã da encarnação, e apresenta, o que na sua visão, é um absurdo. A ideia de ocorrer mudança em Deus é tão deplorável para ele que parece impossível acontecer. De fato, não é isso que se defende na encarnação de Cristo, mas a pergunta que ele levanta merece nossa atenção: “Quem, então, faria a escolha de tal mudança?”.
De fato, o que se propunha a Cristo na encarnação não era a mudança em si, mas as implicações de abrir mão de seu estado de Graça e exaltação com o Pai, bem como do uso irrestrito de seus infinitos recursos e atributos, e ser encontrado na figura de um ser humano servo para sofrer em sua morte sacrificial, tornando-se pecado pelos pecados de cada indivíduo de todas as épocas e lugares. Quem faria isso? Somente um Deus amoroso e preocupado com sua criação faria isso, e Jesus Cristo o fez.
Sobre Cristo e seus discípulos:
“Jesus reuniu próximo a si mesmo dez ou onze pessoas de caráter notório, o mais doentio dos cobradores de impostos, marinheiros, e com eles fugiu de lugar em lugar, e obteve sua sobrevivência de um modo vergonhoso e inoportuno” (Origens, Contra Celsum, 1.62; IN: ROBERTS, Alexander, DONALDSON, James, Ante-Nicene Fathers, VOL 4, pp.423)
Nessa declaração, Celso confirma o fato de que Cristo investiu no discipulado de cerca de onze homens, e também é assertivo no que se refere a profissão que eles tinham. O desdém com que ele apresenta esse fato sugere que ele realmente acreditava no que conhecia sobre Cristo e os cristãos. É interessante que ao fazer isso, torna-se um testemunho antigo a respeito de afirmações que as escrituras fazem sobre Jesus Cristo. Em outra citação, ele faz outras declarações sobre Cristo e seus discípulos, que também confirmam detalhes interessantes apresentados pelas escrituras, observe:
“[Ele foi] abandonado e entregue por esses mesmo com quem tinha se associado, que o tinham como professor, e que acreditavam que ele era o salvador, o filho do Altíssimo Deus (…) Esses com quem se associou enquanto estava vivo, que ouviram sua voz, que apreciaram suas instruções como seus professor, ao o verem sujeito a punição e morte, nem mesmo morreram por ele (…) mas negaram que foram seus discípulos” (Origens, Contra Celsum, 1.62; IN: ROBERTS, Alexander, DONALDSON, James, Ante-Nicene Fathers, VOL 4, pp.423)
Mais uma vez Celso demonstra seu criticismo contra a figura de Cristo como alguém digno de respeito, afinal os únicos homens que o seguiam e acreditavam em seu ensino são os mesmos que o entregam a morte e o abandonam nesse sofrimento. Ele também critica a postura dos cristãos que são martirizados por Cristo, coisa que seus primeiros seguidores não foram capazes de fazer quando seu Professor foi punido e morto. Essa declaração, ainda que repleta de cinismo, confirma mais uma vez o fato apresentado pelas escrituras: Cristo foi entregue à morte por um dos seus discípulos, foi abandonado por todos em sua morte, a quem tinha se dedicado como Instrutor e que haviam manifestado apreço por Seu ensino e havia sido considerado como Filho de Deus.
Sobre a morte de Cristo
“Em sua próxima declaração, Celso afirma com indescritível tolice: ‘Se, depois de inventar defesa para o que é absurdo, e por isso deduz ridiculamente, ou melhor, imagina que realmente fez uma boa defesa, o que o inibe a respeito daqueles outros indivíduos que foram condenados, e morreram uma morte miserável, e foram maiores e mais divinos no seu papel de mensageiros dos céus que Jesus?” (Origens, Contra Celsum, 2.44; IN: ROBERTS, Alexander, DONALDSON, James, Ante-Nicene Fathers, VOL 4, pp.448)
Nessa citação Celso contra argumenta o que os cristãos primitivos falavam sobre Cristo e sua morte como uma boa defesa para a divindade do Filho de Deus, por afirmar que Cristo não foi o único que morreu uma morte miserável e até mesmo considerado um mensageiro dos céus. O ponto de Celso é: Se Cristo não é o único nesses quesitos, o que dizer dos outros que por isso passaram? O questionamento de Celso, por mais anticristão que seja, apresenta detalhes sobre a morte de Cristo, tal como apresentada pelas escrituras: Cristo de fato morreu uma morte miserável. Celso não descreve que tipo de morte seria essa nessa citação, mas ele o afirma pouco à frente:
“Jesus se apresentou após sua morte apenas com a aparência das feridas recebidas na cruz, e na verdade ele não estava tão ferido como ele é descrito como tendo sido” (Origens, Contra Celsum, 2.44; IN: ROBERTS, Alexander, DONALDSON, James, Ante-Nicene Fathers, VOL 4, pp.448)
Nesta declaração, Celso confirma morte de Jesus por crucificação, embora alegue que as feridas que Jesus recebeu só foram as inflingidas pela crucificação (negando assim qualquer tortura anterior tinha ocorrido). Mas a história ainda não oferece a Celso o benefício da dúvida, afinal as flagelações eram a forma padrão de tortura dado às vítimas antes da
crucificação. Entretanto, é importante dizer que Celso se contradiz novamente mais tarde quando ele afirma Jesus provavelmente não sequer foi crucificado, mas sim um impostor morreu no seu lugar. Mais uma vez, Celso parece ter acesso a versões diferentes sobre a morte de Cristo, provavelmente vindas de fontes judaicas.
Sobre os cristãos:
“Após estes pontos, Celso cita algumas objeções contra os ensinos de Jesus, feita por muito poucos indivíduos que são considerados cristãos, não dos mais inteligentes, como ele supõe, mas da classe mais ignorante, e afirma que ‘são as seguintes as regras estabelecidas por eles. Que ninguém instruído venha a nós, ou que seja prudente ou sábio (por que essas qualificações são consideradas maléficas para nós), mas se há alguém ignorante, ou não inteligente, ou não instruído, ou tolo, que venham com confiança. Com essas palavras, reconhecendo que tais indivíduos são dignas de seu deus, eles mostram claramente que eles desejam e são capazes de sobrepujar os tolos, os medíocres e os estúpidos, com mulheres e crianças’” (Origens, Contra Celsum, 1.28; IN: ROBERTS, Alexander, DONALDSON, James, Ante-Nicene Fathers, VOL 4, pp.481-2)
Ainda que o ensinamento de Cristo e dos cristãos apareça distorcido aqui, é evidente que Celso estava cercado de pessoas que professavam uma fé que ele mesmo não se agradava e tinha prazer em criticar. É bem provável que a primeira bem-aventurança do sermão da montanha seja a mensagem que possivelmente Celso satiriza. Em uma nota de rodapé, entretanto, o editor do texto de Orígenes nos lembra que não apenas o ensino de Cristo e dos cristãos é satirizado, mas que o cenário cristão também é apresentado de modo propositadamente pejorativo, pois o cristianismo primitivo era formado por pessoas de todas as classes sociais, como vimos em Tácito.
O que podemos dizer sobre as declarações de Celso? Em primeiro lugar, devemos notar o caráter crítico de sua obra e a grande quantidade de cinismo e desprezo com que ele apresenta a Cristo e os cristãos. Em segundo lugar, devemos perceber que ainda que tal criticismo seja ferrenho, ele apresenta alguns detalhes sobre Cristo em conformidade com o que se conhece dele nos evangelhos. Diante disso, entendemos que Celso, com todo seu fervor anti-cristão, ironicamente, tornou-se boa fonte para demonstrar a historicidade de Cristo, afinal, não o imaginamos escrevendo um livro como esse sobre alguém que jamais teria existido.