A posição proeminente da Palavra como
Primogênito entre as criaturas de Deus, como aquele por meio de quem
Deus criou todas as coisas e como Porta-voz de Deus, oferece uma base real para ele ser classificado como “um deus” ou poderoso – Estudo Perspicaz, Vol.2, pp. 536
É bem verdade que para alguns Jesus deve ser chamado de “um deus”, e
que tal ensino reflete o ensino dos cristãos primitivos. Os Testemunhas
de Jeová, que se consideram a única religião verdadeira, aquela que
protege o ensino dos apóstolos por meio de um grupo de anciãos separados
nos fins dos tempos para salvaguardar as escrituras, acreditam que
Jesus deva ser chamado de “um deus”.
Essa visão é bem conhecida em sua tradução de João. 1.1: “No princípio era a Palavra, e a Palavra estava com o Deus, e a Palavra era [um] deus”.
Como portadores do ensino verdadeiro das escrituras, os Testemunhas de
Jeová consideram que ao traduzir desse modo esse texto estão refletindo o
ensino dos cristãos primitivos. Mas, será isso verdade?
Será que existem evidências entre os textos dos cristãos primitivos,
especialmente aqueles que viveram antes do Concílio de Nicéia, de que
Jesus era considerado como um deus? Será que os cristãos
primitivos chamavam a Jesus de um deus? Nesse post, veremos três deles:
Vitorino, Efraim e Clemente de Antioquia.
A. Vitorino
Vitorino nasceu provavelmente na Grécia (há quem defenda Pettau)
em 270 e foi martirizado no período de Diocleciano em 303. Ele foi
bispo da cidade de Pettau e por isso é eventualmente reconhecido como
Vitorino de Pettau. Em função do seu caráter militar, Vitorino falava
grego melhor que latim, mas foi o primeiro Pai da Igreja a realizar
exegese no latim. Jerônimo nos diz que Vitorino teria escrito vários
comentários bíblico além de livros contra as heresias do seu tempo.
Entretanto, todos os seus materiais foram perdidos na história da Igreja
e sobreviveram apenas partes das obras sobre Gênesis e Apocalipse.
Interessantemente, Vitorino faz uma citação de Jo.1.1 em cada documento. No documento reconhecido como “Sobre a Criação do Mundo” Vitorino diz:
Mas, o autor de toda a criação é Jesus. Seu nome é o Verbo (…) João, o
evangelista diz: ‘No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus e o
Verbo era Deus’
No oitavo capítulo do quarto livro da obra “Comentário sobre Apocalipse”
Vitorino faz uma comparação entre os inícios dos evangelhos e apresenta
uma figura que poderia representar cada um deles. Quando fala sobre o
quarto evangelho ele diz: “Mas, João, que ele inicia, diz: ‘No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus’”.
Em Vitorino não vemos nenhum comentário elucidativo sobre as implicações desse texto, exceto que chama o Verbo de “nosso Senhor Jesus Cristo”
como indicativo de sua divindade. O que se ressalta com Vitorino é que,
do que restou do seu material, temos a impressão de que sua leitura e
interpretação segue a tradição ortodoxa latina.
Mas, é interessante que em nenhum lugar na obra de Vitorino se pode
encontrar alguma citação de que Jesus deva ser chamado de um deus. Na
verdade, essa visão só foi realmente encontrada entre os hereges
arianos, severamente condenados pelas escrituras.
B. Efraim da Síria
Efraim da Síria é, provavelmente, o único representante da História
da Igreja reconhecido como teólogo-poeta. Ele nasceu por volta do ano
306 d.C. na cidade de Nisíbis filho de um líder pagão do deus Abnil ou
Abizal. Foi introduzido ao cristianismo pelo Bispo de sua cidade, Tiago
(Jacó). Efraim foi batizado por ele com 18 anos e provavelmente
tornou-se um filho da aliança, uma forma não usual do
proto-monasticismo Sírio. Também foi designado professor e diácono por
Tiago. Tornou-se hábil na composição de hinos e na produção de
comentários bíblicos. Escreveu muitos hinos de caráter didático, ricos
em poesia e fundamentado nas escrituras, além de uma série de Hinos Contra Heresias,
que apresenta poeticamente a encarnação do Verbo como Deus-homem. Suas
obras foram escritas exclusivamente em Sírio, entretanto as cópias mais
antigas desses materiais são encontrados em Grego, Copta, Georgiano e
Armênio, sendo que muitas de suas obras são apenas encontrados no
último.
Em uma obra intitulada “Sermão da Transfiguração do nosso Senhor, Deus e Salvador, Jesus Cristo”, Efraim defende uma visão ortodoxa da cristologia. Nessa obra ele apresenta claramente o conceito da Trindade: “Pai, o Filho e o Espírito Santo são um em natureza, poder, essência e relacionamento” (v.14); da união hipostática: “Eu
confesso o mesmo [que Cristo] é perfeito Deus e perfeito homem,
reconhecendo nele duas naturezas unidas hipostaticamente, mas em pessoa,
[ele] é indivisível, sem confusão, e imutável” (v.17). Pouco à frente no mesmo documento ele poeticamente atesta: “Ele
é ao mesmo tempo, terreno e celeste, temporal e eterno, com início e
sem início, atemporal e sujeito ao tempo, nascido e não criado, passível
e impassível, Deus e homem, perfeito nos dois, um em dois, dois em um”.
A opinião de Efraim é claramente ortodoxa e não precisaríamos de
outras evidências para que isso seja verificado. Por isso não é de
estranhar que o fundamento para essas declarações, além daquelas que
encontra no relato da transfiguração, esteja em Jo.1.1. Sobre isso ele
fala:
Mas os profetas falaram a verdade e seus testemunhos não mentem. O
Espírito Santo falou por meio deles o que deveriam escrever. E João o
puro também, que reclinou-se no peito do fogo, reforçando a voz dos
profetas, falando da parte de Deus no Evangelho, falando conosco diz:
‘No princípio era o verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era
Deus. Ele estava no princípio com Deus, todas as coisas foram feitas por
meio dele e sem Ele nada do Que foi feito se fez’. ‘E o verbo se fez
carne e habitou entre nós’.
Efraim, seguindo a tradição síria também não encontra no texto de Jo.1.1 a idéia de que existe um outro Deus, ao contrário, para ele Jo.1.1 é a demonstração de que o Verbo é Deus e Efraim o reconhece como Deus filho.
C. Clemente de Alexandria
Nascido em Atenas por volta do ano 150, Clemente de Alexandria é
reconhecido como escritor grego e teólogo além de fundador da escola de
Teologia de Alexandria. É conhecido por unir, ou tentar unir a filosofia
grega com as tradições cristãs. É também lembrado como Professor de
Orígenes. Clemente teria morrido por volta de 215d.C.
Clemente de Alexandria cita duas vezes o texto de Jo.1.1 e em ambas a leitura é claramente “καὶ Θεὸς ἦν ὁ Λόγος”. Em sua obra “Exortação aos Pagãos” no primeiro capítulo ele diz:
Você tem as promessas de Deus; você tem Seu Amor: tornou-se participante
de Sua Graça. E não suponha que a música da salvação para ser nova como
o vaso ou a casa é nova. Pois ‘antes da manhã estrela era’ e ‘no
princípio era a Palavra, e a Palavra estava com Deus, e a Palavra era Deus’. O erro parece antigo, mas a verdade uma nova coisa.
A citação aqui é simples, mas como ele entendia a expressão e o Verbo era Deus: “Por que os dois são um – isto é Deus. Por isso ele diz ‘No princípio o Verbo estava em Deus e o Verbo era Deus’”
(O Instrutor, Livro I, cap.8). A citação, provavelmente de memória
aqui, é uma clara demonstração que para Clemente de Alexandria a leitura
falava sobre a identificação do Verbo com o Deus Pai. Essa visão é de
tal forma verdadeira que pouco à frente ele conclui que, pelo fato de o
Pai ser amor, o Verbo também o é.
Portanto, é evidente que para ele o texto não fala sobre um outro deus à parte do Deus Pai.
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